Mulheres são perigosas. Musas, então…
Jorge era redator numa revista paulistana e escrevia contos nas horas vagas. Contos curtos, em geral eróticos e divertidos, considerados bons pela maioria dos leitores. O problema dele eram as mulheres.
Aos 63 anos, divorciado, Jorge gostava delas, de conversar com elas e de transar com elas. Até aí tudo bem, muita gente boa faz isso. Só que, na volúpia de tirar-lhes as calcinhas, ele as envolvia em seu processo criativo, chamava-as de musas e atribuía-lhes a inspiração do texto.
Algumas acreditavam piamente, sentiam-se no mínimo coautoras da história e enviavam-lhe novas sugestões. Coisas lastimáveis, do tipo “uma moça conhece um cara numa festa. Eles transam. Desenvolve aí”. Ai de Jorge, se não conseguisse transformar essa pobreza em algo legível! A moça se ofendia, sentia-se abandonada como inspiradora e como mulher e ameaçava uma greve de museio. E muito pior, de sexo.
Outras ficavam enciumadas, pura e simplesmente. E ciúme de musa é fogo, pega desde as partes baixas até as emoções e a mente. Ela lia um conto cuja trama não havia sugerido e pensava, “Qual foi a biscate que contou pra ele essa bosta? Crio histórias melhores e, tenho certeza, sou mais gostosa do que essa vaca!” E concluía que, se ele não estava conversando ou transando com ela, a enciumada, é porque estava conversando ou transando com a biscate. E às vezes acertava em cheio!
E havia as musas-escritoras, que lhe enviavam continhos prontos. Ele perguntava a cada uma por que não postava em sua própria página, e a resposta era invariável: “Não posso publicar baixaria no meu Perfil”. Ele suspirava e divulgava. Mas não era o suficiente. Quando lia o texto de outra musa-escritora, a primeira pensava, “O sem-vergonha tá comendo a mocreia, por isso publicou essa bosta”. E então escrevia um conto que o ridicularizava, desafiando-o a publicar. Num deles, ambientado num sítio, um galo velho recebeu o nome de Jorge, e as galinhas do seu harém, os das leitoras mais fiéis do contista!
Diante de tantas pressões, ele chegou a pensar em desistir do fuzuê e da escrita de contos – as duas coisas de que mais gostava, junto com o Timão!
Certa noite, enquanto sonhava, Jorge viu-se transportado até uma clareira. Sentado na relva, observou a aproximação de uma bela mulher vestida com uma túnica de estilo grego e que empunhava uma lira. Reconheceu-a como uma representação de Érato, musa grega do verso erótico, a dama da lira.
– Posso sentar? Tô cansada, essa lira pesa pra cacete!
Jorge surpreendeu-se, esperava que dos lábios da musa escorressem versos eróticos maviosos, não um “cacete”. Ela foi em frente.
– Conheço teus contos, gosto deles. Por isso vou te ajudar em teus problemas com as musas – fez uma careta de desprezo e continuou. – Musas! São umas barangas, reles mortais. Musas somos eu e minhas oito irmãzinhas, filhas de Zeus! – Deu uma guinada na conversa. – A culpa é tua, quem mandou chamar aquelas mulheres de musas? As imbecis acreditaram! Precisas tratá-las à grega, quer dizer, cobri-las de pancada.
Diante do olhar incrédulo de Jorge, Érato explicou:
– As mulheres da Hélade só serviam pra ter filhos e criar as novas gerações de guerreiros das cidades-Estado. E ai daquela que reclamasse, falasse em igualdade de gêneros ou coisa semelhante (Jorge, que se dizia feminista e apoiava essa proposta, estremeceu). Ia apanhar até criar bicho!
Nova guinada no discurso. – Sabes que sou a musa dos poemas eróticos, não é? (Jorge fez que sim com a cabeça). Pois bem, os versos que eu inspirava nunca eram recitados para esposas, apenas para amantes dos dois gêneros. Sei que és hétero, mas precisas se impor às mulheres que te fazem de joguete.
– Érato, os tempos mudaram, homens não batem mais em mulheres – disse o contista. – Quer dizer, muitos batem, mas não pega bem.
– Esse aspecto mudou? Que bom, eu achava uma covardia dos machos helenos. Mas, retomando, é fundamental que te imponhas. Não as chame de musas e, se te sugerirem uma trama, agradeça e diga que vais considerar a ideia. E depois muda, sempre mudas, e para melhor.
Érato chegou mais perto e passou a acariciá-lo na coxa, subindo vagarosamente a mão.
– Outra coisa, pra que precisas de tantas musas? – murmurou num tom sedutor. – Transa com elas quando quiseres, mas não as museies. Precisas de apenas uma musa, o produto genuíno, euzinha.
Acariciou-o aliii e continuou.
– Sabes o significado de meu nome? “A que desperta desejos”. É o que vou fazer contigo, despertar teu desejo, assim como fiz com poetas eróticos de todos os tempos e lugares.
Arrancando a túnica em um só movimento, mostrou-se nua, deslumbrante, tirou as roupas dele e o atacou.
O contista teve sua primeira experiência de uma transa olímpica, inesquecível.
Jorge desmaiou de prazer. Acordou em sua cama, nu, feliz como um pinto no lixo.
O contista parou de chamar suas amigas e ficantes de musas. Algumas não gostaram e se retraíram, outras ficaram ainda mais apaixonadas. E, no mínimo uma vez por mês, ele sonha com Érato e a encontra em uma clareira para transar durante horas, como fizeram, antes dele, infindáveis gerações de autores eróticos.
E, diga-se, os contos que ela inspira estão cada vez melhores.