Filho de pai não declarado
Ernesto, Olímpio Augusto e velha história revelada durante show em Luziânia

Guilherme, como tantos brasileiros, havia crescido com a ausência paterna, cuja certidão de nascimento fazia questão de lembrá-lo: “pai não declarado.”
— Mamãe, cadê meu pai?
— Meu filho, quando você crescer, teremos uma conversa a respeito disso.
— Mas já cresci.
— Semana que vem. Pode ser?
— Mas a senhora falou isso no mês passado.
— Amanhã, Guilherme. Agora mamãe tá ocupada.
Sem mais ter onde arrumar desculpas, a mulher tratou de contar a história sobre Olímpio Augusto, que, apesar de ausente na certidão de nascimento de Guilherme, seria seu pai. O filho, agora perto de completar quinze anos, ficou surpreso com tamanha revelação.
— O cantor?
— Sim. O próprio.
— E por que a senhora nunca me contou?
— Tanta coisa pra fazer, meu filho, que não tive tempo.
Olímpio Augusto, apesar de não despontar nas paradas de sucesso há quase duas décadas, era deveras conhecido pelo incomum timbre que costumava entonar as canções populares. Tenor quase puro, sabia esconder os graves para deleite das fãs, que suspiravam pelo dono daqueles olhos castanhos adornados por cílios negros, que sabiam fulminar os corações apaixonados.
Guilherme, assim que soube quem era seu pai, estufou o peito e, a qualquer oportunidade, contava para quem quisesse escutar.
— Sou filho do Olímpio Augusto, sim, senhor!
— Do cantor?
— O próprio.
Tinha gente que acreditava, mas a maioria era descrente. Isso, aliás, incomodava o rapazola, que prontamente reclamava com a genitora.
— Mas, mamãe, por que o pai não vem me visitar?
— Ih, Guilherme, são tantos shows, que seu pai não consegue arranjar tempo.
— E se eu fosse vê-lo? Certamente ele me mandaria um ingresso pra algum show dele.
— Vou ver, vou ver.
Guilherme esperou dias, meses e nada do cantor encaminhar o tão aguardado convite. Esperou tanto, que o outrora adolescente já ostentava vasta barba. Se bobeasse, não tardaria, surgiriam os primeiros fios brancos debaixo do queixo.
— Mãe, a senhora viu que o pai vai se apresentar em Luziânia?
— Em Luziânia?
— Sim.
— E quando será?
— Mês que vem.
— Hum…
— Que tal irmos?
— Ih, Guilherme, não vai dar.
— Ué, por quê?
— Ando tão ocupada, que não consigo nem pintar as unhas.
A despeito da recusa da mãe, o homem tratou de planejar o tão aguardado encontro com o pai. Fez de tudo e, parece, tudo saíra como planejado. Tanto é que, no dia do show, lá estava Guilherme misturado à pequena multidão, que aguardava ansiosa pelo afamado Olímpio Augusto. E, após quase duas horas de espera, eis que o velho cantor pisou no palco e desfilou seus sucessos de outrora. Até houve o tão aguardado bis, quando, finalmente, as cortinas se abaixaram e, não tardou, o público foi indo embora para casa. Quer dizer, menos Guilherme, que ainda guardava a esperança de conhecer o pai.
Anda daqui, anda para lá, o sujeito percebeu que o artista saiu pelos fundos em direção à uma velha Caravan marrom. Ficou observando o cantor por alguns segundos, até que a consciência o empurrou em sua direção.
— Boa noite, seu Olímpio Augusto.
— Boa noite, meu rapaz. Quer um autógrafo?
— Não necessariamente. O propósito é outro.
Olímpio Augusto, que não era tipo de se amedrontar por coisa pequena, arregalou os olhos e balbuciou.
— Que propósito seria?
— O senhor é meu pai.
— Seu pai?
— Sim, senhor.
Surpreso, o cantor quis saber mais sobre aquela história. Convidou seu suposto filho para tomarem uma ou duas cervejas num boteco ali perto a fim de se inteirar melhor sobre aquele acontecido.
— É possível mesmo que eu seja seu pai, Guilherme. Como é mesmo o nome da sua mãe?
— Cida. Quer dizer, Maria Aparecida.
— Hum. Já tive algumas Cidas na vida.
Para dirimir qualquer dúvida, foi feito o teste de DNA, que levou quase dois meses para ficar pronto. Tanto Guilherme quanto Olímpio Augusto tiveram que controlar a ansiedade, até que o resultado chegou através dos Correios. Nesse período, um vínculo se formou entre os dois homens e, de tão fortes eram os laços, decidiram abrir o envelope juntos, justamente no mesmo boteco em Luziânia.
Lá estavam os dois diante de uma garrafa de cerveja, dois copos cheios e o tal envelope. Após dois longos goles, os homens abriram o envelope, que pareceu decidir o destino dos dois: “Negativo”.
Surpreso, Guilherme arregalou os olhos, enquanto Olímpio Augusto, que nunca tivera filhos, pareceu decepcionado. As lágrimas em seu rosto o impulsionaram para perto do rapaz e, então, ele acolheu em seus braços o até então filho que nunca teve.
— Não entendo, seu Olímpio Augusto. Mamãe me disse que o senhor era o meu pai.
— Às vezes o teste errou, meu filho.
Guilherme retornou para casa cabisbaixo, onde encontrou a mãe preparando o jantar. A mulher percebeu os olhos marejados do filho e, instintivamente, foi visitada pela certeza da descoberta da mentira.
— Por que a senhora inventou aquela história, mamãe?
— Ah, meu filho, seu pai era um homem tão desprezível, que eu precisava lhe incutir a esperança de ser filho de alguém decente.
Olímpio Augusto continua se apresentando pelos recantos brasileiros e, toda vez que vai a Luziânia, faz questão de encaminhar dois ingressos para Guilherme e Cida. Como ele gosta de falar para o seu público, nada como cantar diante da família, mesmo que ela seja uma família de mentirinha.
………………………
Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
Compre aqui
https://www.joanineditora.com.br/57-contos-e-cronicas-por-um-autor-muito-velho
