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Ervas e voz coroam ritual da vida com força da ‘la curandera, la bruja’

Ela era uma xamã de um povo indígena do sul do México. Seu nome era María Sabina. Tornara-se nacional e internacionalmente conhecida por seu uso ritual de cogumelos – as “crianças sagradas”, ela os chamava – para aliviar enfermidades e entrar em comunhão com os deuses.

As mulheres da aldeia a chamavam carinhosamente de Maria, la curandera; em contrapartida, muitos homens, que viam em seus ensinamentos e suas cerimônias com as mulheres instrumentos que iam esgarçando o jugo patriarcal, referiam-se a ela, com desprezo e rancor, como María, la bruja.

Um dia, uma jovem de uns 16 anos foi levada à presença de María. Chamava-se Dolores. Era uma adolescente magra, de olhos enormes e fundos. A mãe informou:

– A pobrezinha quase não come, não fala, nem mesmo chora. Apenas sofre. Ajude-a, por favor!

– É mal de amor” – afirmaram as anciãs da aldeia, experientes.

“Talvez seja, mas há outros problemas, mais graves” – contrapôs María para si mesma.

A cerimônia foi marcada para a primeira noite de lua cheia. Duas mulheres, auxiliares de María, ficaram encarregadas de conduzir Dolores à clareira em meio à mata, onde a curandeira já estaria, para realizar o ritual. Dessa vez, as “crianças sagradas” não seriam necessárias; apenas folhas, ervas e muita magia feminina.

Ao chegar, as quatro mulheres acenderam uma fogueira, despiram-se e começaram a mover-se lentamente, em círculo, em redor do fogo, enquanto se ouviam as palavras poderosas de María Sabina:

– Cura-te, filhinha, da dor com a luz do sol e os raios da lua. Cura-te da dor com o som do rio e da cascata, com o vaivém do mar e o alarido das aves.

A anciã silenciou por um momento, mostrou algumas ervas e folhas a Dolores, entregou-as às auxiliares para que preparassem uma infusão e prosseguiu:

– Cura-te, minha menina, com as folhas da hortelã-pimenta, com a amargosa e o eucalipto. Adoça com alecrim e camomila. Adiciona um grão de cacau e um toque de canela. Coloca amor no chá, em vez de açúcar, e toma-o olhando para as estrelas.

A jovem obedeceu. A cada gole, suas feições se suavizavam.

– Cura-te, filhinha, com o amor mais bonito – continuou a curandeira. – Joga tuas dores no fogo; que se tornem pó todas as dores, que as queime o fogo e venham novas flores.

O corpo de Dolores estremeceu, como que sacudido pela tempestade. Começou a chorar baixinho.

María concluiu o ritual.

– Cura-te, filhinha, com os beijos que te sopra o vento e os abraços da chuva. Cura-te com o amor mais bonito e recorda sempre, tu és o remédio.

Nesse momento, alguns homens cercaram a clareira, trazendo armas de caça. Tinham instruções para matar a bruxa e poupar a jovem, que era filha de um homem poderoso e temido; mas estavam bêbados, tinham bebido pesado para ganhar coragem e executar o crime. Resultado, os covardes atingiram todas as mulheres indiscriminadamente, e em especial Dolores, que caiu no chão.

Enquanto os homens fugiam, Maria correu para ela e a sacudiu com força.

– Cura-te, filhinha, repartindo a dor dos disparos com as outras mulheres, tuas irmãs! – exclamou em um tom de urgência.

A jovem recuperou os sentidos. As feições de María registravam as novas dores que haviam invadido seu corpo.

O ritual se repetiu com as outras duas mulheres, que haviam escapado quase ilesas dos tiros. E retornaram à aldeia, todas feridas, todas sentindo fortes dores causadas pelos ferimentos, reais ou transplantados por magia, mas todas vivas.

Na manhã seguinte, cinco homens, todos eles marginais conhecidos, deixaram para sempre a aldeia. Os mandantes ficaram, enfrentando o desprezo silencioso e ostensivo da população local.

*Conto baseado no texto Consejo de María Sabina, indígena, poeta, mexicana.

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