Escola no Parque dá novo sentido à vida de moradores de rua
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emA liberdade que o conhecimento proporciona é o maior sonho dos estudantes da Escola Meninos e Meninas do Parque, situada no Parque da Cidade Dona Sarah Kubitschek. Um paradoxo, já que todos são moradores de rua, local em que não há limites aparentes. Criado há 20 anos, o colégio atende 105 crianças, jovens, adultos e idosos que, além das aulas, encontram no espaço carinho e motivação.
A grade curricular — da alfabetização até a 8ª etapa da Educação para Jovens e Adultos (EJA) — é a mesma de qualquer outra instituição de ensino da Secretaria de Educação, mas o respeito às limitações de aprendizado de cada um faz com que a escola se destaque. E foi essa particularidade que incentivou Mary Romão, de 56 anos, a concluir o ensino fundamental e a alimentar o desejo de infância: ser veterinária.
Hoje, matriculada no 1º ano do ensino médio do Centro de Educação de Jovens e Adultos, na 602 Sul, ela retorna diariamente à Escola do Parque para colaborar na limpeza. “Faço isso com todo o prazer; além de ajudar, aproveito para estudar”, destacou a aluna, que ainda tem a Rodoviária do Plano Piloto como moradia, mas está distribuindo currículos para dar um adeus definitivo às ruas.
Dayana Bárbara dos Santos Coqueiro, de 29 anos, ex-aluna do colégio, já conquistou essa realidade. Com o diploma de conclusão dos ensinos fundamental e médio em mãos, além de ter um lar para viver em São Sebastião, a jovem atualmente trabalha para resgatar antigos colegas de rua como funcionária do Cidade Acolhedora, projeto da Secretaria de Desenvolvimento Humano e Social. O serviço de abordagem visa garantir apoio, orientação e acompanhamento às famílias e aos indivíduos sem-teto em Brasília.
“Se não fosse o carinho dessa escola, com certeza eu estaria presa ou morta; seria uma fracassada”, imagina Dayana, que em meio às lágrimas confessou o longo convívio com o tráfico e a prisão por latrocínio (roubo seguido de morte) aos 15 anos. Ela veio do Maranhão aos 6 meses e foi encaminhada a um abrigo de Taguatinga, onde ficou até os 8 anos, quando fugiu para as ruas. “Meu pai foi preso assim que chegamos a Brasília, e não conheci a minha mãe”, lembra. “Os professores são a minha família; quando eu cansava e jogava a toalha, eles catavam do chão e me davam de novo.”
Para quem mora nas ruas e quer se tornar aluno da Escola de Meninos e Meninas do Parque basta querer estudar. “Existem aqueles que são encaminhados pelas unidades de acolhimento, mas muitos aparecem aqui por indicação dos colegas já estudantes”, disse a diretora, Amélia Cristina Araripe. Assim que chegam, são recebidos por um coordenador ou orientador, que lhes entrega um chamado kit banho: toalha, sabão, bucha e hidratante.
Depois da higienização, eles vestem o uniforme fornecido pela escola, almoçam e são encaminhados para uma entrevista com a orientadora, que identifica os desejos e as aptidões do futuro aluno: “Essa parte se chama Serviço de Orientação Educacional e é muito importante para saber se a pessoa está lá porque quer e deseja estudar”. Em seguida, todos vão para a turma de integração, onde, por meio de dinâmicas, é identificada a série em que cada um vai ficar.
O recém-chegado Richardson Vieira Zimerer, de 32 anos, não esconde a satisfação de aprender a ler e a escrever, práticas que nunca imaginou dominar. Mesmo porque os longos anos na rua, atrelados ao consumo diário de todos os tipos de drogas, não o permitiam pensar a longo prazo. “Agora estou disposto a terminar os estudos”, afirma. “Eu morava no interior de Minas Gerais com minha família e vim pra Brasília em busca de oportunidades, mas, quando vi, já tinha feito das calçadas a minha cama.”
Em tom de medo mesclado com vergonha, Richardson admitiu ser soropositivo, mas disse que a doença em nada atrapalha seus sonhos. “Tomo o coquetel [medicamento] e me sinto muito bem; quero ser veterinário, e a professora disse que, se eu me esforçar, em junho vou para o ensino médio”. O estudante disse que seu maior desejo é comprar uma casa e convidar a mãe para visitá-lo. “Quando ligo para ela, digo que está tudo bem, não falo que estou nas ruas, porque não quero que ela sofra.”
A dedicação dos 11 profissionais que atuam na instituição é o fator mais relevante para que os alunos tenham a motivação necessária para retornar todos os dias às salas de aula. “Temos muita evasão, porque lidamos com pessoas que levam uma vida sem disciplina, mas aqui respeitamos o tempo e o nível de conhecimento de cada um, fazemos um trabalho individualizado”, afirmou a professora de ciências e de matemática, Edite Lourenço Felipe, há 11 anos no local.
A mestre da oficina de artes, Claudia Bertolin, é instrumento dessa metamorfose. Ela disse que encontra nos alunos a inspiração necessária para desenvolver seu trabalho como artista plástica. “Uso o vidro jogado fora e o transformo em uma obra, e minha função é a mesma aqui na escola”, compara. “Ensinamos pessoas abandonadas pela sociedade e as transformamos em preciosos cidadãos.”
Kelly Crosara, Agência Brasília