Fernanda Cruz
A criatividade das escolas de samba para driblar os efeitos da crise econômica prevaleceu na produção do carnaval 2016. Com o aumento de preços de materiais importados como plumas, penas e tecidos, devido à alta do dólar, carnavalescos tiveram de pensar em substituições. Com isso, a disposição dos patrocinadores e apoiadores em investir no carnaval em São Paulo teve retração.
Diego Laudano Rocha, diretor de Planejamento da Dragões da Real, disse que a escola perdeu em 50% o volume financeiro conseguido com patrocínio (quantia maior paga por uma empresa quando a escola agrega seu produto ao enredo) e apoio (quantia menor voltada a apenas um segmento específico ou ala da escola), em relação ao ano passado.
A Dragões da Real falará sobre o ato de dar e receber presentes – “Surpresa! Adivinha o que eu trouxe pra você?” é o tema deste ano. Diego disse que o planejamento para o carnaval precisou ser alterado com a crise. “Este ano exigiu muito mais da gente por conta do aumento dos valores das matérias-primas”.
A estratégia adotada foi comprar todo o material de uma única vez, diferentemente de anos anteriores, quando a compra era parcelada em duas ou três vezes. “Assim ganhamos poder de barganha para negociar o preço”, explicou Diego.
A venda de fantasias, por sua vez, não foi afetada. “A nossa escola não sofreu tanto com a venda porque a nossa fantasia é barata. Uma das mais baratas do carnaval. Temos a venda direta para o folião e para os coordenadores de ala, que sai a preço de custo. Foi tranquilo para a escola quanto a isso”
Patrocinadores receosos – Nem mesmo a escola campeã de 2015 escapou da crise. Com os patrocinadores mais criteriosos este ano, a estratégia da Vai-Vai foi elevar o número de empresas investidoras. “Em vez de um [patrocinador] pagar a conta, a gente dividiu e não ficou pesado para ninguém. Dividimos a conta”, disse Thobias da Vai-Vai, vice-presidente da escola.
A Vai-Vai tem seis patrocínios este ano, com o enredo Je Suis Vai-Vai, Bem-Vindos à França!. “Vamos falar da França de uma forma geral, da cultura, dos costumes, das belezas naturais e de um pouco da história da Revolução Francesa, isso influenciou o mundo todo. Vamos falar do perfume, da bebida, da Torre Eiffel, do Moulin Rouge”, disse Thobias.
Os foliões que desfilam pela Vai-Vai também não pouparam na hora de comprar as fantasias. “Faltando pouco para o carnaval, não temos mais fantasias. O pessoal dá cheque pré-datado, compra no cartão, dá um jeito. É um lazer em que a pessoa investe”, disse ele.
Aposta na criatividade – Para confeccionar as fantasias e compor os carros alegóricos sem estourar o orçamento, foi preciso inovar. Amarildo de Mello, carnavalesco da Águia de Ouro, disse que nos momentos de crise é que o artista aparece. “A crise é propulsora de boas ideias. Quem mente melhor, faz o melhor carnaval. Quem faz o papel virar ouro, quem faz lata virar prata, é que vence o carnaval”, brincou.
Um problema enfrentado pela escola foi a carência de matérias-primas importadas da China, o que elevou o preço até mesmo da cola quente, que chegava a custar a metade do preço antes da crise. Com a falta de insumos, o carnavalesco Amarildo conta que substituiu materiais caros por jornais pintados de dourado, fez uma mistura de tecidos baratos para simular renda e abusou de produtos artesanais brasileiros.
“Tem um carro na Águia de Ouro que é todo trançado em palha. Optei por trabalhar com o que o Brasil tem. Tornou-se uma das coisas mais lindas. Foi feita à mão pela nossa equipe”, conta Amarildo.
Sem conseguir patrocínio, a escola escolheu um enredo autorial, Ave Maria Cheia de Faces. “É um tributo à mãe de Jesus, fazendo um estudo comparado das marias pelo mundo, um passeio pela história universal. Achamos a Ísis, que é a grande Maria do Egito, Artemis é a grande Maria da Grécia, Vênus, com o mesmo atributo de Maria em Roma, e chegamos à África, na grande Mãe Terra, que tem o útero negro e deu origem ao homem. Em Aparecida, damos o pontapé inicial nos 300 anos de Nossa Senhora no Brasil”, explicou.
Gasto público – Apesar da crise, a São Paulo Turismo (SPTuris), empresa de turismo e eventos, cuja sócia majoritária é a prefeitura de São Paulo, informou que elevou a verba de apoio às escolas de samba. Este ano, estão sendo investidos R$ 43 milhões, montante que inclui gastos com a infraestrutura no sambódromo e com o carnaval de rua. No ano passado, foram investidos R$ 37 milhões e, em 2014, gastou-se R$ 35 milhões.
As 14 escolas de samba do grupo especial de São Paulo desfilam na sexta-feira (5) e no sábado (6). Na primeira noite, entram no Anhembi, nesta ordem: Pérola Negra, Unidos de Vila Maria, Águia de Ouro, Rosas de Ouro, Nenê de Vila Matilde, Gaviões da Fiel e Acadêmicos do Tatuapé. No sábado, apresentam-se Unidos do Peruche, Império de Casa Verde, Acadêmicos do Tucuruvi, Mocidade Alegre, Vai-Vai, Dragões da Real e X-9 Paulistana. As noves escolas do grupo de acesso desfilam no domingo (13).
Agência Brasil