Vou confessar aqui uma coisa, que talvez choque alguns colegas de trabalho. Não sou torcedor do Cruzeiro, apesar de já ter mentido algumas vezes sobre isso. A história é até engraçada. Pois bem, é que tenho algumas coincidências com o maior ídolo da história da Raposa, o Tostão.
Nós dois temos o mesmo nome, fazemos aniversário no mesmo dia (o Tom Jobim também), somos canhotos, ele é médico, eu sou médico veterinário. Essas informações sobre o Tostão são pouco conhecidas pelos cruzeirenses, fato que descobri ao longo dos anos. Como eu sei disso? Ah, o meu pai, vascaíno inveterado, sempre gostou muito do Tostão, que também jogou no Vasco, mesmo que por pouquíssimo tempo, antes de se aposentar precocemente por causa de um deslocamento de retina.
Provavelmente, a primeira vez que menti sobre ser cruzeirense tenha sido quando fui trabalhar em uma seção, onde o chefe ostentava um enorme escudo de plástico do Cruzeiro sobre a mesa. Não sou do tipo que já chega a um novo ambiente e faz amizade rapidamente. Pois é, sou tímido, pelo menos no início.
Então, depois de um tempo, o chefe me perguntou qual era o meu time. Respondi sem pensar: “Cruzeiro”. Ele não acreditou, pois sou carioca e, naturalmente, deveria ser torcedor de algum time do Rio. Mas, aí, lhe perguntei qual era o maior ídolo da história do Cruzeiro. Ele, depois de pensar um pouco, respondeu que era o Tostão.
Eu fiz nova pergunta: “Qual é o nome dele?” O meu chefe pensou, pensou, mas não soube responder. Falei que era Eduardo. Todavia, o cara ainda não estava convencido de que eu era mesmo cruzeirense
Fiz-lhe nova pergunta: “Qual é a profissão do Tostão?” Se ele não sabia nem o nome do Tostão, com certeza não saberia dizer o que ele fazia. Respondi sem pestanejar: “Ele é médico! E eu, como você sabe, sou médico veterinário”.
Mas isso ainda não era suficiente para o meu chefe, que disse que eu estava mentindo, pois eu não era cruzeirense nem aqui nem na China. Era hora de eu dar a última cartada, que seria certeira como um pênalti batido pela Marta.
– Quando o Tostão nasceu?
– Sei lá!
Pedi para ele pesquisar na internet, já que havia um computador bem à sua frente. Ele olhou em um site e encontrou a data de nascimento do craque.
– E por acaso você sabe?, meu chefe me questionou, crente que havia me desmascarado.
Poxa, como me senti bem naquele instante. Simplesmente tirei minha carteira de identidade do bolso e lhe mostrei. O cara, com cara de surpreso, finalmente havia sido convencido de que eu era mesmo Cruzeiro.
Certamente, essa já seria uma excelente história para ser contada, caso não houvesse um outro desenlace, que, para mim, muito mais interessante. É que, algum tempo após, fui trabalhar em outra seção, quando essa situação inusitada me aconteceu.
A minha esposa, como muitos sabem, é torcedora do Palmeiras. Torcedora é modo de falar, pois ela é fanática pelo Verdão. Tanto é que, antes de chegar ao serviço, passei em uma farmácia, onde vi uma escova de dentes do Palmeiras. Obviamente que a comprei. Coloquei a tal escova no bolso da frente do meu casaco, o que a deixou à mostra.
Cheguei à nova sala, onde me deparei com o novo chefe. O cara me recebeu com um sorrisão no rosto e até me deu um abraço de boas-vindas.
– Ah, também sou Verdão!
Confesso que a ficha demorou alguns milésimos de segundo para captar essa frase, mas o fato dele me apontar para o bolso do meu casaco foi bem providencial. Já fui engatando um “Quando surge o alviverde imponente…”
Mas não sei muito mais que essa parte inicial, mesmo já tendo ouvido esse hino inúmeras vezes. A minha esposa vive cantando. Seja como for, naquele momento o meu novo chefe me acolheu de maneira efusiva. Virei, ali mesmo, um palmeirense roxo, quase igual à minha esposa.
Tempo vai, tempo vem, o inevitável acabou acontecendo. Isso mesmo, o meu antigo chefe, que continuou trabalhando em uma sala próxima, foi resolver algumas coisas na minha nova seção. Naquele momento, os dois estavam ali: o meu antigo chefe e o novo, separados de mim por uma fina parede de compensado.
Os dois acabaram falando sobre futebol, o que os levou a mencionarem sobre o meu time do coração. O antigo chefe disse que eu era Cruzeiro, o que foi prontamente rebatido pelo novo, que afirmou categoricamente que eu era Verdão. Na verdade, eu nem ouvi esse pequeno embate, pois estava entretido com o serviço. Quem me contou isso depois foi o Gilmar, então colega na mesma seção e, hoje, um amigo muito querido.
Seja como for, de repente, lá estavam os respectivos apaixonados por Cruzeiro e Palmeiras bem em frente à minha mesa. Os dois, quase em uníssono, me pressionaram.
– Afinal, você é Cruzeiro ou Palmeiras?
Gente, nem sei como respondi isso, mas foi assim:
– Sou Palestra Itália!
O meu novo chefe, ciente de que o Cruzeiro também era Palestra Itália, me falou:
– Se saiu bem, hein!