Vez por outra me surpreendo descumprindo promessas divididas apenas com o travesseiro ou, quando muito, com uma inseparável e crítica amiga: a consciência. Ainda bem que ninguém as ouve, pois volto atrás com a mesma frequência das batidas do coração, as quais nem sempre ouvem a voz da razão. Às vezes opto pela emoção e acabo em crise jornalística, porque o desejo incontido de escrever sobre reminiscências, amores perdidos ou relativamente ao romântico futebol dos anos 60 e 70 é vencido pela necessidade abusiva de escrever a respeito de uma política despudorada ou de políticos com os quais não tenho qualquer intenção de aproximação eleitoral.
Escrever sobre o que penso é mais do que uma obrigação. É uma válvula de escape, uma forma mais coerente e menos raivosa de extravasamento. Aliás, bem diferente do modus operandis a que nos acostumamos nos últimos três anos. A convivência com esse período só não foi crítica porque, felizmente, a maioria esmagadora do povo brasileiro se uniu contra o negacionismo e conseguiu vencer um “inimigo” que parecia eterno, embora tivesse sido considerado criminosamente como uma simples e desimportante “gripezinha”. Não fosse a coragem de alguns, certamente estaríamos ainda hoje contabilizando milhares mortos.
Sei que o pior já passou, mas não me permito esconder além de um único dia a obviedade de uma tirania fantasiada de governo do Brasil acima de tudo e Deus acima de todos. Por isso, quando não preciso narrar profissionalmente minhas angústias, busco rascunhar no pensamento fórmulas capazes de se contrapor aos desenhistas de storyboard Walter Lantz e Ben Hardaway, criadores do Pica-Pau, o desenho animado cujo personagem mitológico sempre é vitorioso. Não é bem o caso do Pica-Pau do cerrado. Entretanto, minha procura por saídas honrosas contra nosso atual estágio normalmente está associada à vontade de por fim ao ódio encimesmado, à empáfia, à soberba e, sobretudo, ao capitanismo que humilha e nada acrescenta.
Reitero que escrevo o que penso porque sou brasileiro, patriota, democrata, defensor da ordem e dos bons costumes e, portanto, não sou obrigado a ler e ouvir sandices, tampouco a observar bizarrices sozinho. Daí a precisão de dividir com meus seis leitores – talvez sete – argumentações (?) íntegras, embora nem sempre serenas em relação às baboseiras recebidas diariamente. E comumente faço isso antes de alguma convulsão nervosa e simultaneamente àquele sonoro e uterino palavrão preso sob a língua, ao lado do comprimido de gardenal. Ao inverso do que ocorre quando se atinge prazerosamente o ponto G, a situação do Brasil é nevrálgica, delicada, melindrosa, etimologicamente quase degenerativa. Pelo menos até outubro, é o que temos. Pois é o tempo que espero ter para insistir na defesa de um país homogêneo, sério, honesto, correto e de extremos exclusivamente afetivos.
Patológica e obsessivamente em estado de letargia, o país anunciado em janeiro de 2019 como futura nação do modernismo parece entregue a uma colônia de baratas tontas após imersão em um tonel de inseticida. Ainda bem que estamos bem próximos do fim da prostração administrativa. Fora das normas internacionais de comportamento, faz três anos que vivemos como pária global. Talvez isso não incomode os líderes que não lideram, os arremedos de ditadores e os protagonistas sem protagonismo. No entanto, a sociedade sofre e paga caro por um abandono que ela nunca defendeu. A verdade é que recuamos no tempo. Regredimos três ou quatro décadas. Voltamos à fase teórica da consolidação política e do gigantismo econômico simbólico, quando o resquício do crescimento utópico e passageiro gerou canções eternas.
A reflexão surgiu com uma delas, Terra de Gigantes, lançada nos anos 80 pelo grupo gaúcho Engenheiros do Hawaii. O autor da música usava a juventude da época (“A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes”) para mostrar que a rapidez da idade é tão efêmera como o sabor da bebida e similar à pressa das sucessivas gestões em justificar as besteiras que produz. Transportando a meditação para nossos dias, o governo do capitão gerou um balaio de bizarrices, mas foi ainda mais fugaz. Figuradamente, a velocidade com a qual ele se cacifou para o Planalto foi idêntica à duração de uma inserção do reclame do refrigerante. Por absoluto despreparo, acabou antes mesmo de começar. Agora, resta-nos uma única certeza: é junto dos bão que a gente fica mió. Então, desengavetemos o título de eleitor e novamente confiemos nosso sonho libertário a um candidato que pelo menos tenha consideração por seu povo.