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Entrevista/Lucas Guimarães

‘Escritor é o joalheiro da palavra’. Tem definição melhor?

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Autor/Imagem:
Cecília Baumann - Foto Acervo Pessoal

Advogado, trocou a cidade pequena do interior pela que é a selva de pedras onde os paulistanos esbarram uns nos outros, de tanta gente nas ruas. Mas eis que veio a pandemia. E Lucas Guimarães, 27 anos, voltou para a sua saudosa Santa Fé do Sul. Leitor assíduo de grandes clássicos (sem deixar de folhear também outros autores) ele traduz numa pérola o que é ser escritor: joalheiro de palavras. Por certo, desde que me entendo por crítica literária, nunca ouvi frase tão perfeita.

Lucas concedeu a entrevista a Notibras, que pode ser lida a seguir, por e-mail. Boa leitura.

Fale um pouco sobre você, seu nome (se quiser, pode falar apenas o artístico), onde nasceu, onde mora, sobre sua trajetória como escritor.

Me chamo Lucas Guimarães, 27 anos, nasci e cresci em Santa Fé do Sul – SP, me mudei para São Paulo em 2015 onde me formei em Direito pelas FMU-Liberdade no ano de 2019, fiquei em Sampa até 2021, quando, por decorrência da falta de oportunidades de trabalho, das dificuldades, da solidão, enfim, por conta da ausência do mínimo existencial, reflexo da pandemia da covid-19, me vi obrigado a regressar a Santa Fé, após sete anos… Minha trajetória como escritor, se é que posso me considerar como tal, começou lá pelos nove ou oito anos de idade mais ou menos… Antes desta idade, eu já demonstrava alguma desenvoltura e algum talento para escrever (sempre foi algo natural e fluido), discorria sobre os temas básicos – obrigatórios – que nos solicitavam, no âmbito das matérias que tínhamos na grade de ensino do meu saudoso Colégio Rui Barbosa-Objetivo (onde estudei dos quatro aos 17 anos), mas aos nove anos de idade (aproximadamente), me recordo de escrever – já com um certo rigor e maior habitualidade – poemas ingênuos para paixões e amores (platônicos). Me recordo do prazer de escrever nas aulas de redação do Colégio, me recordo da satisfação e esmero das minhas professoras de redação em conduzirem nossos estudos sobre a matéria, e com muito orgulho, também devo recordar aqui, de ter obtido a nota 980 (de 1000) quando prestei a prova do ENEM (no ano de 2014), surpresa esta que me deixou bastante orgulhoso de mim naquela ocasião. Dediquei boa parte da minha vida à poesia, escrevi inúmeros poemas, muitíssimos sonetos, e mais recentemente me divorciei dos sonetos porque infelizmente percebi que poucos entendiam de escansão métrica, e menos gente ainda sabia reconhecer o valor do 4-4-3-3 do soneto ou sonetilho (no caso das redondilhas maiores e menores), então preferi me tornar minimamente mais inteligível do que satisfazer minha vaidade artística buscando a prisão apaixonante do soneto. Desde a mais tenra idade me lembro de ter ficado fã incomensurável de Vinicius de Moraes e isso veio a definir muitas coisas dali pra frente… Com o passar do tempo, musicalmente, fui me tornando mais fã de Nelson Gonçalves, o qual julgo ser o maior cantor do Brasil de todos os tempos e Frank Sinatra, o qual, indubitavelmente, a meu ver, creio que ainda hoje seja o maior artista que o mundo já viu. Todavia, o que posso afirmar, é que, o contato com a obra de Vinicius norteou muito na minha escrita e na minha vida – naqueles primeiros anos de arte e de vida – enfim; assim como, anos depois o contato com a obra de Machado de Assis acabou me catequizando em certos pontos narrativos e até nos vieses teleológicos de tudo aquilo que eu escrevi durante a vida, se a finalidade do meu escrito era uma sensação específica eu buscava direcionar as palavras e a estrutura para ressaltar aquela sensação no leitor, se o fim do meu escrito era a crítica, de forma furtiva (indireta) ou mesmo de forma escancarada (direta), eu buscava deixar ali os resquícios ou os motivos inteiros da crítica que eu estava fazendo… Ser um bom aluno de filosofia, ou melhor dizendo, ser um aluno dedicado de filosofia, também sempre contou muito na hora da escrita, pois, a filosofia estimula tanto o pensamento em motivos abstratos, como também refina a reflexão e a abordagem que se aplica as coisas puramente materiais; há um outro fator, entretanto, que interessa ao escritor, que a filosofia traz consigo e que não pode jamais ser desprezado, que é o fato de que quem lê um pouco sobre a dialética de certos filósofos, acaba, por fim, em criar sua própria dialética – por assim dizer – através da forma e do conteúdo de seus escritos; assim como – a bem da verdade – não haveria o amor platônico do qual tantos romancistas e poetas célebres falaram e ainda falam, sem o pensamento voltado ao mundo inteligível, e também não haveria a paixão carnal, (aquela que faz certos homens e mulheres delirarem no mundo hedonista em que vivemos), sem uma precária análise, que seja, do mundo sensível. Não poderia deixar de dizer, de forma alguma, que a música foi um ingrediente indispensável para as coisas que eu escrevi no decorrer de minha vida. Aprendi a tocar o violino dos nove aos 12 anos de idade, depois comecei a aprender a tocar o violão aos 12 anos e estou aprendendo a tocar até hoje… Não dispenso a música de jeito nenhum durante o processo de escrita de certos temas. Confesso que seria impossível escrever em certos dias sem a música de Claude Debussy ou sem a voz tonitruante de Luciano Pavarotti. Eu poderia falar mais sobre a relação que a música tem com meus escritos, mas acredito que haverá oportunidades mais adequadas para discorrer com mais vagar sobre isso… No decorrer de minha vida, escrevi muito, como eu já disse. Escrevi, antes, em verso (quase que exclusivamente), sobre amores e desamores, paixões e frustrações, mulheres e mais mulheres… Porém, de alguns anos pra cá, me peguei na necessidade de colocar as minhas ideias em prosa, de forma a balizá-las para apresentar ao meu público no YouTube, onde tenho um canal (www.youtube.com/@lucasguimaraes97), pois, a vontade de escrever estava em surto dentro de mim, não somente a vontade de escrever estórias como a de Turcão Bicheiro – (que aqui neste portal foi publicada), onde, entre outras coisas, eu tanto exponho, como critico, certos usos, costumes e hipocrisias da sociedade brasileira com humor ácido e narrativa de fácil entendimento – mas, outrossim, escritos no âmbito do ensaio, de uma forma bastante ampla e diversificada, onde analiso aspectos da vida, do ser humano, da sociedade hodierna (em várias searas), entre outros temas, de forma reflexiva e crítica proporcionando ao meu público a oportunidade, de ao menos, (sem maiores pretensões), não ouvir mais do mesmo – e até de poder – por alguns instantes, ter contato com um mínimo de conteúdo que não seja mormente “emburrecedor” e alienante, como muito do que se vê por aí. Enfim, eu poderia escrever, muito, muito, muito… Mas, em apertada síntese, eu posso dizer que comecei a escrever, em primeiro lugar, por amor à beleza feminina, posteriormente, continuei escrevendo, pois, eu achava (e ainda acho), a arte da palavra escrita, bem como a arte de seus mestres em todas as épocas, algo tão lindo e sublime quanto a arte do violão, que quando bem tocado, por exemplo, nas mãos de um Turíbio Santos, de um Baden Powell, de um Paco de Lucía ou mesmo de um Andrés Segovia, nos mostra que a arte, quando bem feita, é, de fato, um bem universal e uma legítima riqueza da humanidade… Além de que, as palavras, também trazem consigo certos aspectos mágicos especiais que valem o registro, eis que, as palavras: tanto podem ferir, quanto curar, tanto podem absolver, quanto condenar, etc… Por isto que é necessário ter um certo tato e uma certa cautela ao escrever, pois, a tarefa de todo bom escritor, assemelha-se ao ofício do joalheiro que separa as melhores pedrarias e os melhores metais para a confecção de suas joias. O escritor é, portanto, o joalheiro da palavra.

Como a escrita surgiu na sua vida?

A escrita surgiu em minha vida através da leitura. Recordo meus primeiros anos de vida aos 4 ou 5 anos de idade, quando eu já gostava de fuçar na biblioteca repleta de volumes na casa de meu avô materno, José Ribeiro Guimarães Filho (ou apenas “Zé Guimarães”, para os íntimos), recordo da coleção completa da antiga Enciclopédia Britânica Barsa e também da coleção completa de Machado de Assis que se destacava entre tantas e tantas obras de variados ícones da literatura. Me recordo de ter sido o primeiro ou um dos primeiros alunos da sala a aprender a ler e a escrever, já ansioso – e curioso – por saber de que tratavam aqueles belos livros antigos com capas luxuosas. Ao passo em que fui lendo quase tudo o que caía em minhas mãos, desde os manuais de filosofia do meu tio Renato Artur Guimarães, até as obras mais singelas voltadas ao público infanto-juvenil; quando caí em mim, já estava eu, ao meu modo, há tantos anos, vejam vocês – já há quase 20 anos – estava eu com o lápis ou a caneta em mãos, escrevendo minhas coisas no papel, sem jamais imaginar que haveria uma oportunidade como esta, de mostrar ao mundo um pouco das minhas criações.

De onde vem a inspiração para a construção dos seus textos?

A inspiração, geralmente, vem de situações vividas por mim ou por pessoas próximas… Contudo, ela também pode vir do desejo de ter feito algo (que não tive a oportunidade de realizar). A grande verdade, é que a inspiração pode vir de ilimitadas possibilidades de lugares, situações e sensações, é algo definitivamente imprevisível que apenas acontece. Não tem uma fórmula exata, nem uma invocação específica. É um lampejo inesperado. Mas, não raro, há ocasiões em que a inspiração vem de excertos de outros autores. Sobre a inspiração, já não me resta a menor sombra de dúvida que – por favor, me perdoem o lugar comum – tanto a vida imita a arte, quanto a arte imita a vida. Todavia, a minha inspiração, repito, é um êxtase imprevisível, ou seja, tudo ou nada pode ser motivo para que esta linda donzela apareça para impulsionar os trabalhos.

Como a sua formação ou sua história de vida interferem no seu processo de escrita?

Minha formação acadêmica em Direito, tanto quanto meu estilo e gosto pessoal, talvez interfiram diretamente no meu processo de escrita quanto ao refino do vocabulário e no que tange à forma de disposição e apresentação de certas ideias em determinados momentos, todavia, por outro lado, interferem indiretamente em outros momentos onde minhas ideias e sentimentos aparecem em carne viva para todos (custe o que custar, até mesmo a polidez ou o formalismo); no fim, o que importa, é o recado ser dado e ponto final. Quanto à minha história de vida, ela está ali a todo momento, em tudo o que eu escrevi, em tudo o que eu penso e faço… Na série ficcional Mad Men, Don Draper (o personagem principal) em um momento de extrema lucidez disse que “Quando um homem entra numa sala, ele carrega consigo sua vida inteira. (…)”. Pausa machadiana. Eu até gostaria de transcrever a fala toda do personagem aqui para vocês, mas me limitarei a dizer que, da mesma forma que, quando um homem entra em uma sala ele carrega consigo sua vida inteira, é impossível não levar em consideração – como diria Nietzche – que em toda produção literária (ou em quase toda, pra não falar aqui em unanimidade), o autor se vale de suas palavras para promover certas confissões: de pecados (inconfessáveis), de ideias sombrias, de amores impossíveis… A lista é grande; contudo, assim como Ian Fleming emprestou a seu James Bond, gostos e características pessoais, como a sua estima e preferência pelo Rolex Submariner; é mais do que natural que todo autor, empreste características e preferências pessoais a seus personagens, ou mesmo, como já dito, confesse suas verdades ocultas, através de seus escritos de forma geral. Afinal de contas, pessoas que viveram experiências extremas, como eu, não teriam o menor valor (no âmbito das artes) se não pudessem, no entanto, colocar a serviço da arte tudo o que foi ou ainda é vivido e sentido por nós, do amor à dor… Seria um desperdício de vida e de tempo.

Quais são os seus livros favoritos?

Amo o livro “A Mão e a Luva”, de Machado de Assis. Este livro, hoje em dia, não é tão popular como Dom Casmurro, pois não é um daqueles livros obrigatórios da grade das escolas e dos vestibulares da vida. Mas é uma grande obra, que fala sobre amor, poder, uma linda mulher, homens com temperamentos e formas de ser distintas, que nos ensinam muito sobre autocontrole, frieza para encarar certas situações e, como em todas as obras de Machado de Assis, esta também nos revela um retrato fidedigno daquilo que – com tanto “orgulho” – chamamos de: sociedade. “A Mão e a Luva” é um livro atemporal enfim. Muito pedagógico sobre a arte de viver a vida e muito realista com relação às coisas do amor. É muito certo que todos os homens já foram ou irão ser em algum momento da vida: um Estevão, um Jorge ou um Luís Alves e mais certo do que isto, é o fato de que todos os homens já encontraram uma Guiomar (para sua alegria ou para sua completa infelicidade)… Faz muito tempo que li este livro, portanto, não saberia agora elencar todos os pormenores para uma exegese completa, não obstante, esta obra me marcou muito, pois, quando eu a li, foi como se Machado de Assis, me desse um compêndio de lições – sob uma perspectiva eterna – que eu precisava aprender através daquele romance. Por estas e outras, sou fã de Machado de Assis e amo seu estilo ímpar – inigualável – espero, inclusive, futuramente, ler outras obras dele, para além das que eu já li na fase de colégio e vestibular, pois Machado é um gênio imortal e sua genialidade, sem exagero, se expande para muito além dos conhecidos títulos: Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro. Amei ler “Sun Tzu – A Arte da Guerra, os 13 Capítulos Originais” e busco ter um exemplar deste livro sempre por perto assim como as “48 Leis do Poder”, são livros de cabeceira perfeitos e bons conselheiros para a maioria das questões da vida. Já fui um leitor assíduo das “Fábulas de Esopo”, e faço votos de que um dia tenhamos mais “sapos” do que “escorpiões” por aí. Amo os livros de poesia do Vinícius de Moraes, assim como amei ler “Os Lusíadas” e os poemas esparsos de Camões. Amei ter lido “O Caibalion”, e recomendo a leitura a qualquer pessoa que deseje um grão a mais de sabedoria em sua vida.m Gostei muito de ter lido “Modernidade Líquida”, de Zygmunt Bauman e me arriscaria a dizer que, quem quer entender a sociedade atual, ainda que minimamente, deve passar pela leitura deste livro (e de seus livros-irmãos do mesmo autor). Me perdoem neste ponto, pois realmente é difícil elencar quais são meus livros prediletos, porque depende muito da fase e do momento, conseguem me entender?! Por fim, meu último, e não menos importante amor, é a obra do filósofo Friedrich Nietzche, até agora já li: “A Filosofia na Era Trágica dos Gregos”, “Crepúsculo dos Ídolos” e “A Genealogia da Moral”. Espero ler (em breve) seu “Zaratustra” e os outros livros canônicos de sua autoria, confesso a vocês que tem sido uma aventura deveras profícua e prazerosa – muito honestamente falando – ler Nietzsche, é óbvio que é preciso ter um certo preparo intelectual, uma interpretação madura e um olhar parcimonioso sobre os escritos de Nietzche, afinal de contas, eu disse que a aventura da literatura nietzschiana era profícua e – até mesmo – prazerosa, porém não disse e nem poderia dizer, sob pena de estar criando um embuste, que a aventura não fosse difícil, demandando muita força mental e tenacidade. Ler Nietzsche é como escalar o Everest por meio de um livro, por isso mesmo, lê-lo é algo tão prazeroso e gratificante, como se fosse uma vitória pessoal sobre um desafio homérico. O livro “O Profeta”, de Khalil Gibran, também merece ser lido por todos, um outro bom exemplo de obra atemporal. Registre-se. Finalmente, eu diria que li muitos livros que amei ter lido, assim como leio muitos excertos de muitos livros que levo como tesouros em minha mente; esta pergunta realmente foi bem difícil de ser respondida com objetividade, porque realmente, se eu pudesse, gostaria de listar uma série de livros que li e poderiam ser úteis a quem prestigia estas palavras neste momento.

Quais são seus autores favoritos?

Outra pergunta dificílima, pois tenho admiração e estima por vários autores. Todavia, sendo bem objetivo, devo dizer que admiro: a poeticidade e o romantismo, de Vinicius de Moraes e de Camões; a maestria, genialidade e criatividade de Machado de Assis; a inteligência visionária (e revolucionária) – e por que não dizer – a coragem, de Friedrich Nietzsche e o realismo e a clareza de Arthur Schopenhauer. Outros autores poderiam e deveriam estar aqui, mas acho que deixei a bússola direcionada para o caminho certo através do parágrafo anterior.

O que é mais importante no seu processo de escrita? A inspiração ou a concentração? Precisa esperar pela inspiração chegar ou a escrita é um hábito constante?

No meu processo de escrita, sempre foi mais importante a inspiração; dou graças por nunca ter tido um processo artístico mecânico, afinal, o sexo e a arte, devem brotar de forma natural no ser, além do mais, o mundo está cheio de máquinas (de ferro ou de carne e osso) hoje em dia – de um lado – e poucos humanos sendo verdadeiramente humanos (com suas dores e delícias), de outro. Fato lastimável e temerário sob a minha ótica. São tempos tediosos e decepcionantes… Alguém contraditaria esta afirmação?! Todavia sendo bem franco, é preciso, a priori, de inspiração. Sem dúvida. A matéria prima de toda e qualquer arte é a inspiração, contudo, quando a inspiração chega, é preciso muita concentração e disciplina para não deixar nada passar e para exprimir tudo o que está se sentindo e pensando na hora da inspiração. Equilíbrio é tudo. Sem mais. Quanto à segunda parte da pergunta, eu diria que há fases mais férteis e fases menos férteis tanto no quesito inspiração, quanto no quesito frequência (ou hábito) de escrever. Há fases de escrita constante e fases desérticas – não há ninguém que ouse escrever que nunca tenha passado por isto, gravem na mente – se não me engano, Vinicius de Moraes dizia, que quando a inspiração vem, é preciso ser esperto e aproveitar, porém, quando a inspiração foge, é preciso dar um tempo e ir viver… Aí então, quando menos se espera, cá novamente reaparece a inspiração. É algo cíclico, como tudo na vida.

Qual é o tema mais presente nos seus escritos? E por que você escolheu esse assunto?

O tema mais recorrente em meus escritos é o ser humano e suas nuances… Seja no amor, na sociedade, na política, na cultura, no estilo de vida, na espiritualidade… O ser humano por vezes, me frustra, me machuca e me entristece de tantas formas que não seria possível nem dimensionar e retratar aqui. Todavia, para mim, o ser humano ainda continua sendo irresistivelmente interessante. Nada seria possível nesse mundo sem o ser humano. E um dos múltiplos privilégios do escritor, é o de poder falar das grandiosas façanhas e dos grandiosos fiascos que o animal humano perpetrou e perpetra no decorrer de sua passagem pelo tempo.

Para você, qual é o objetivo da literatura?

A literatura, para mim, tem variados objetivos e não um único e exclusivo. A pergunta é bastante complexa (registre-se). Seria realmente um acinte limitar os objetivos da literatura em uma coisa só… Além de uma estultice e uma grandiosíssima injustiça, sem dúvida alguma. A meu ver, a literatura tem um primeiro objetivo histórico, eis que, através das obras literárias de todos os tempos, é possível ir se traçando a linha cronológica de todos os acontecimentos históricos da humanidade, de todas as civilizações e sociedades enfim. O homem, desde os primeiros tempos, buscou nas diversas formas de escrita (e de códigos), formas para registrar sua passagem pelos muitos momentos do planeta Terra e pelas muitas sociedades que aqui já existiram ou que ainda existem, isto pode ser facilmente verificado através das pinturas rupestres (antes da invenção dos alfabetos), depois pelas pirâmides, depois pelos pergaminhos e com o passar dos anos e séculos enfim, pelas obras primas da literatura de cada tempo, até mesmo por seus tratados e arquivos escritos de cada povo, que retratavam fatores históricos, sociológicos, antropológicos, de modo que qualquer um pode (nos dias atuais) entender como viviam e como pensavam os povos em cada fase da humanidade. Em literatura, verifica-se um outro objetivo, para além do histórico, que é o objetivo de entreter o público, hoje em dia, numa sociedade em que a maioria das pessoas são alfabetizadas (ainda que exista a figura do analfabeto funcional), podemos falar na literatura também como peça de entretenimento, mas jamais devemos deixar de recordar, que já houve um tempo em que poucas pessoas sabiam ler e escrever, e a literatura era um artigo de luxo para poucos privilegiados. A literatura tem outros objetivos importantes, vale destacar, no âmbito da aquisição, registro e transmissão do conhecimento, além de ser o fator mor de aprimoramento da escrita, afinal todos sabemos que, quem lê, escreve bem. A literatura, vale salientar, também tem atuação no campo fisiológico, pois trabalha como um estímulo benéfico ao cérebro e suas capacidades, e traz inenarráveis benefícios à mente. Ou seja, a literatura tem objetivos comprovadamente diversificados e acarreta incontáveis benefícios tanto para o indivíduo, quanto para a coletividade. Literatura, por derradeiro, é um santo remédio para muitas coisas, sobretudo contra os grandes demônios do século, quais sejam: a IGNORÂNCIA (e a BURRICE).

Você está trabalhando em algum projeto neste momento?

No momento meu único projeto no âmbito literário, como eu já havia dito, são os textos para o meu canal no YouTube (www.youtube.com/@lucasguimaraes97). Através destes textos eu sinto que contribuo para o coletivo tanto fazendo refletir, quanto estimulando o olhar crítico de quem me assiste em relação a temas contemporâneos variados e importantes para uma sociedade ou mesmo para o indivíduo, pois, como falávamos anteriormente um dos objetivos da literatura é fazer pensar; neste ponto, eu comungo em partes com a assertiva do mito José Saramago, que dizia que “um livro não muda o mundo e nem muda ninguém”, intertextualizando para a minha resposta eu diria que sei que meus textos não mudam o mundo, afinal são só palavras. Todavia, eu concordo – em partes – e não no todo, com Saramago, pois que, se os textos fazem pensar e toda a ação começa, antes de mais nada, (no pensamento); sei que meus escritos por si só, são apenas palavras, mas, creio que a revolução que fatalmente mudará nosso mundo para melhor não surgirá, senão, à partir de uma mudança de mentalidade – de uma mudança de ideias e ideais enfim – que por meio do convencimento racional (mais pela lógica do que pela retórica, e pelo exemplo, obviamente), farão com que possamos – me permitam ser um pouco otimista agora, por gentileza! – gozar de um mundo novo, mais justo, mais tolerante, mais amoroso, harmônico, progressista e pacífico onde finalmente poderemos ser chamados de humanos (na acepção mais excelsa, virtuosa e brilhante da palavra).

Quais livros formaram quem você é hoje? O José Seabra sempre cita Camilo Castelo Branco como seu escritor predileto, o Daniel Marchi tem fascinação pelo Augusto Frederico Schmidt, e o Eduardo Martínez aponta Machado de Assis como a sua maior referência literária. Você também deve ter as suas preferências. Quem são? E há algum ou alguns escritores e poetas contemporâneos que você queira citar?

Pois bem! A princípio, eu ainda não me considero um ser formado; creio que estarei em “formação” ou em “construção” até o fim de minha encarnação terrena – e creio, outrossim, que seguirei aprendendo e me formando, (me “construindo”), – para além dela… De forma preambular, eu registraria que a presença de livros e o contato com ilustres autores e pensadores, seja por meio dos livros físicos, do Youtube, do Google, ou de outros meios de acesso à conteúdos fizeram total e completa diferença no meu passado, ainda fazem total e completa diferença no presente e certamente continuarão fazendo completa e total diferença no meu futuro. Até mesmo porque, o conhecimento, qualquer que seja, nos permite o privilégio de “sonhar na verdade” invés de “amar na mentira” como diria o filósofo e poeta Moacyr Franco; ou seja, o conhecimento é e sempre será libertador. Isto é um fato. Ponto final. Não obstante, posso afirmar, com muitíssimo cuidado e humildade que sou fruto da leitura dos livros de Machado de Assis, autor que me fazia sentir como se tivesse escrito aqueles maravilhosos livros especialmente para mim, pois ali eu tinha contato com o melhor da língua portuguesa somado com o melhor do que o Brasil já produziu em termos de narrativa e arquitetação da trama literária. Sou fruto, também, de livros diversos de filosofia, os quais não terei coragem de elencar aqui um por um, porque tenho medo de esquecer de algum livro interessante, mas é certo que há excertos de Nietzche e Schopenhauer tatuados na minha mente e no meu coração até hoje; assim como eu não poderia ter chegado até aqui sem um mínimo de Platão, Sócrates, Maquiavel, Bauman e Epicuro – até mesmo porque, num mundo repleto de hedonistas, todo mundo deveria ler a “Carta Sobre a Felicidade” de Epicuro a Meneceu, um santo lenitivo contra os excessos que toda a malta, sobretudo a juventude, cometem por aí. Quanto à sugestão ou menção de poetas, eu apenas recomendaria aos amigos e amigas que fizessem uma viagem no trem da poesia… Nesta viagem, a primeira parada – obrigatória – deverá ser na estação Camões, a segunda parada, na estação Vinicius de Moraes, a terceira parada na estação Fernando Pessoa (ainda que apenas para a leitura do livro “Mensagem”), depois disso, eu deixaria a critério do viajante, se quisesse viajar mais longe (e profundamente) no trem mágico da poesia, eu sugeriria, enfim, as estações: Neruda e Verlaine. Há muitas outras estações a serem viajadas… Bilac e seus contemporâneos não merecem ser olvidados… Contudo, me permitam ser – ao meu modo – (sucinto), quanto a este ponto. Nas considerações finais desta pergunta, devo dizer ao amigo e amiga, que estas palavras assistem nesta hora, que, caso você tenha preguiça de ler, ou leia pouco, se quer livros interessantes para formar seu gosto, seu repertório e seu raciocínio literário, leia “O Profeta”, (de Khalil Gibran), leia a “Carta Sobre a Felicidade” (de Epicuro a Meneceu), leia “Modernidade Líquida” (de Zygmunt Bauman), tempere sua leitura com as repisadas “Fábulas de Esopo”, para relaxar, e deste modo, terá um bom começo ou uma boa base para ler o que quiser; por fim, se quer realmente ler um livro que é um verdadeiro “tapa na cara” até os dias de hoje, recomendo – novamente – a leitura da obra “A Mão e a Luva” (de Machado de Assis), um livro sobre verdades nuas e cruas e sobre a forma de ser da dita “sociedade civilizada” do nosso país. Por derradeiro, sabendo que tudo está – e não – é, ou seja, sabendo que tudo na vida é dinâmico e muda conforme o tempo, devo confessar a título de registro, que hoje, dia 16/10/2024 (dia em que respondo ao questionário desta entrevista), meu autor predileto “tem sido” Friedrich Nietzsche – também tenho meus flertes com Schopenhauer, admito – todavia, devo dizer que a obra de Nietzche, para quem gosta de ler e de elucubrar, é um prato cheio e é, outrossim, uma terra fértil para ideias libertárias – (em amplo sentido) – podem confiar. Me restringirei a dizer que, Nietzsche, foi muito mais do que um filósofo e quem o leu sabe disso. Acho que seria uma tarefa quase impossível pensar (verdadeiramente) sobre a modernidade, ou até mesmo, sobre a pós-modernidade, sem passar obrigatoriamente, no campo filosófico – ao menos – por Friedrich Nietzsche, Karl Marx, e é claro, por Zygmunt Bauman.

Como é ser escritor hoje em dia?

Ser escritor hoje em dia, é ser resistência à todas as investidas nefárias do chamado “mundo moderno” contra as belas artes (na acepção mais legítima e ampla do termo). Ser escritor é ser um defensor da liberdade e da beleza. É ser um advogado e porta voz daqueles que não tem defesa e nem voz (na sociedade). É ser um farol e um norte em meio a escuridão e ao caos. Ser escritor – hoje em dia – é ser trincheira e ser fuzil, e, ao mesmo tempo, ser o amanhecer da esperança em dias difíceis. Ser escritor hoje em dia é insistir – com muita teimosia – no que é belo e no que é bom, ainda que, solitariamente. É acreditar no impossível. É fazer do impossível, possível, através da palavra. É ser um pouco mágico e um pouco filósofo. É ser, às vezes, deus, e, às vezes demônio. É ser um pouco médico e um pouco louco (ou monstro). É levar um pouco de sonho e ilusão aos desiludidos do mundo e da vida. É ser a voz que alguns não querem ouvir e – ao mesmo tempo – ser a voz que alguns precisam ouvir. Ser escritor – como eu já disse em uma pergunta anterior – é ser um joalheiro da palavra, mas também, é ser um operário das letras, que suja o seu macacão, se for preciso, em nome do bem comum, da arte e da produção de suas obras. Ser escritor é persistir em acreditar: na educação, na arte (como um todo) – repito – e na cultura, como ingredientes capazes de criar homens e mulheres melhores e por conseguinte, uma sociedade melhor.

Qual a sua avalição sobre o Café Literário, a nova editoria do Notibras?

Avalio o Café Literário como uma iniciativa extremamente louvável e heroica. Num mundo cada vez mais cercado de bares e – cada vez menos – ocupado por livrarias, onde o analfabeto funcional ri (na cegueira de sua ignorância) e o erudito chora; proporcionar oportunidade e vitrine para produções textuais de pessoas anônimas, buscando fomentar no seio do povo a leitura e a escrita (por que não dizer?), é uma semente abençoada a ser cultivada a fim de colhermos um futuro melhor – cultural e intelectualmente – através das gerações.

Tem alguma coisa que eu não perguntei e você gostaria de falar?

Certamente em outras oportunidades poderemos conversar sobre muitos outros temas, mas por ora, acredito que foi o suficiente, só restando a mim, deixar os votos de gratidão a todos os envolvidos nas atividades do portal Notibras e aos amigos e amigas leitores e leitoras que me acompanharam até aqui… Muitíssimo obrigado e um beijo no coração de todos e todas!

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