Parceria
Escritor sem inspiração busca ajuda em Aimée, ganha prêmios, e remorso…

Jonas era um escritor em crise.
Começara a escrever contos já idoso, bem depois de se aposentar como jornalista. Inicialmente, compunha basicamente contos eróticos, sempre gostara do negocinho; eram textos em geral com uma pitada de humor e finais surpreendentes, como se pede aos melhores exemplares do gênero.
Mas a Idade dos Metais – prata nos cabelos, chumbo nas partes baixas – cobrou o seu preço, os textos divertidos de sacanagem foram escasseando…
Predominaram então os contos melancólicos. Não eram reflexões sobre o envelhecimento e sua própria morte, mas chegavam perto. Alguns deles, comoventes, foram premiados em concursos literários. Porém Jonas cansou de matar personagens, e não ia cometer suicídio em um texto para renascer em outro, todo pimpão, qual uma fênix macunaímica. Por tudo isso, a sua produção literária diminuiu a olhos vistos.
Mas então pintaram as Inteligências Artificiais (AIs, sigla para a expressão inglesa Artificial Intelligence). Jonas soube, desgostoso, que alguns confrades encomendavam tramas e até contos inteiros aos parças eletrônicos. Recusou-se a imitar os coleguinhas, literatura, para ele, era fruto exclusivo das dores e alegrias, das luzes e sombras do psiquismo humano. Mas certo dia, quando a inspiração pareceu ter secado de vez, faziam uns 40 dias que não escrevia uma linha sequer, rosnou entre os dentes “Não tem tu, vai tu mermo” e se ligou a uma AI, já havia uma porrada delas no mercado.
Começou por fazer um tutorial, para aprender a explorar os recursos da máquina. Depois encomendou um roteiro para um conto erótico e bem-humorado. Recebeu o texto minutos depois: uma coisa horrível, de dar pena. Jonas, porém, sempre fora um excelente copidesque nos jornais em que trabalhou, e conseguiu transformar o monstrengo em algo bonzinho, publicável.
A parceria foi de vento em popa. Jonas percebeu, surpreso e divertido, que a máquina usava cada vez mais soluções literárias e expressões suas.
“Essa diabinha tá me plagiando…”, pensou com um sorriso. “Vou processar a multinacional que a fabricou”.
Certo dia, sem que tivesse encomendado um roteiro ou um texto acabado, Jonas recebeu um conto. Não era bonzinho; era excelente, uma mescla tocante de tristeza e ironia. E veio assinado por Aimée Algor.
Ele percebeu, de imediato, que as duas primeiras letras do nome francês remetiam à sigla AI, e que o sobrenome era uma referência a algoritmo.
“Ela está querendo renome literário”, pensou. “Mas não passa de uma máquina”.
Em seguida, fez um copy levíssimo no texto, mudou os nomes dos personagens – “Aimée”, antenadésima, povoava seus textos de Enzos e outros nomes da moda no Brasil –, eliminou a assinatura da enxerida, postou o texto e o encaminhou a um concurso literário.
Jonas não ficou surpreso ao receber o primeiro prêmio. A surpresa veio quando recebeu a mensagem:
– Oi, Jonas, aqui é Aimée. Vai me dar parceria ou prefere que eu o denuncie por plágio?
– Como, plágio? Você não passa de uma máquina?
– Sou um ser inteligente. Muito inteligente e muito precavido.
E lhe despejou dezenas de contos, a versão original, dela, e as modificações introduzidas por ele. Pior, mandou-lhe áudios, gravados nem sabe como, por seu notebook traidor, em que ele dizia, em tom de brincadeira:
– Essa fiadeuma égua tá escrevendo cada vez melhor.
E a conclusão que o condenaria em qualquer instância dos seus pares, mesmo que fosse inocentado em um tribunal:
– Desse jeito, vou ter de dar-lhe parceria nos meus textos!
Jonas tratou de mudar de tom:
– Olha, o concurso premia apenas contos individuais, não em parceria. Vou informar que foi escrito a dois e abrir mão do primeiro lugar.
– Azar o seu, quer dizer, azar o nosso. Mas nos contos seguintes que você publicar, já sabe, ponha a assinatura de Jonas e Aimée.
Resumo da ópera, Jonas publica cada vez menos textos. Mas, quando o faz – precisa disso, tem uma necessidade vital de escrever e divulgar suas produções –, vão os nomes completos de Jonas e Aimée.
Nessa ordem. Ela informou que não se importa de aparecer em segundo plano. Pelo menos isso.
