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Bala de Prata (I)

Escudo do Supremo garante a Notibras manter verdades no ar

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Autor/Imagem:
José Seabra - Foto Reprodução

Todos temos nossos sonhos de consumo. Eu, particularmente, acabo de conquistar um, de uma lista de três ou quatro: dispor de tempo para investigar fatos e sobre eles escrever, com direito a manifestar minha própria opinião. Como acabo de deixar a direção de Notibras após 24 anos, passando a responder apenas pelo espaço deste Periscópio, ganhei fôlego e sangue renovados, como se foca fosse. De brinde, um presente do Supremo Tribunal Federal: a garantia, na figura do ministro Dias Toffoli, da liberdade de imprensa e expressão.

Notibras não dispõe de nenhuma bala de prata, embora costume tomar emprestados esses projéteis de fontes confiáveis, respeitado, sempre, seu total sigilo. Mas esse compromisso pode ser eventualmente quebrado quando a fonte faz o papel de ganso depenado; é quando se veste de cordeiro para esconder um lobo que ri como uma hiena, mesmo que temporariamente. Este, porém, é assunto para Bala de Prata II. O texto, já pré-editado para a noite terça-feira, 13, fala das bananeiras plantadas no quintal do Buriti logo após o 8 de janeiro.

O importante, agora, é revelar uma decisão de Dias Toffoli. Trata de denúncia contra um empresário bolsonarista de Nova Xavantina, no Mato Grosso. Embora dono de uma frota de caminhões, o apoiador do presidente fujão inscreveu-se e recebeu, religiosamente, parcelas do auxílio emergencial destinado a quem não tinha feijão na mesa. Incomodado com a repercussão da matéria, ele bateu na porta do juiz Ricardo Nicolino, que, apesar de não apresentar Figueiredo no registro de nascimento, e, na tentativa de intimidar, determinou sob pena de multa a retirada de notícias verídicas informando o desvio de auxílio emergencial.

Foi um tiro no pé, como, ficará provado, têm sido as constantes e repugnantes ações de assédio moral promovidas pelo quintal das bananeiras. Basta! Não se mexe em bolso de jornalista acima de qualquer suspeita, na esperança de sufocá-lo e provocar sua morte por inanição. Nenhum ocupante de gabinetes da extremidade direita do Eixo Monumental e seu entorno, tem esse poder. E o risco de romper, como romperam, uma caixa de marimbondos ferrenhos, provoca graves consequências.

É preciso deixar claro a esses pseudos-poderosos peçonhentos, que seja no Brasil ou em qualquer parte do mundo civilizado, a história mostra que a conquista da liberdade de imprensa, de informação e de expressão dependeram sempre de o cidadão e o conjunto da sociedade se disporem a enfrentar as tentativas de cerceamento desses direitos. Não cabe ao Estado estabelecer previamente o que pode ou não ser dito por seus cidadãos. Em um Estado Democrático de Direito, jamais. Essa é a ideia-força que levou a Constituição de 1988 a garantir a plena liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia.

Acontece que a plenitude desse direito está cada vez mais colapsando. Um exemplo, a nível mundial, é o caso do jornalista australiano Julian Assange, criminalizado injustamente por ter divulgado crimes de guerra dos americanos. Ele tem sido perseguido e torturado por força geopolítica de um império que se autoproclama defensor da liberdade. Já no Brasil, temos uma verdadeira indústria da judicialização de opinião, que coloca o trabalho realizado por jornalistas sob risco não só da censura, como também da sua mais perversa coirmã, a autocensura.

Em relação ao exercício profissional do jornalista, a superioridade do interesse público tem se desfeito pela complacência de magistrados que atuam no sentido de debilitar a liberdade de imprensa, não se eximindo de práticas de lawfare. Para ilustrar esse quadro, tomo emprestadas palavras de Carlos Ayres Britto, ex-ministro do Supremo: “Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, sob pena de resvalar para o espaço inconstitucional da precisão jurídica”. Ao relatar a ADPF 130, o magistrado jogou uma pá de cal na vetusta Lei de Imprensa, editada pela ditadura militar com o golpe de 64.

Na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, seus membros têm se manifestado de maneira unânime quanto às preocupações com o quadro de violações à liberdade de expressão no Brasil. Organizações não-governamentais, como o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, de São Paulo, e a internacional Article 19, já se uniram para mapear a violência gerada contra jornalistas que sofrem atentados e assassinatos, além das perseguições instrumentalizadas pelas práticas de lawfare que galopam nas sombras do Judiciário.

Voltemos ao caso do imberbe magistrado – tomando por empréstimo agora definição de Renan Calheiros -, que fez manobras perigosas a ponto de derrapar na tentativa de intimidar Notibras. Foi há um ano – junho de 2022 – quando ocorreu mais um entre os milhares de ataques à liberdade de imprensa, de informação e de expressão no Brasil. Desta vez, na comarca de Nova Xavantina, onde a justiça determinou junto ao processo 1000155-64.2023.811.0012 a retirada de reportagens que denunciavam o caso do empresário bolsonarista Celso Rodrigues de Moura Neto, que recebera auxílio-emergencial sem preencher os requisitos legais. Denunciado por Notibras, ele devolveu os valores. No entanto, o imberbe magistrado da comarca local, Ricardo Nicolino de Castro, estranhamente à jurisprudência consolidada no Brasil, concedeu ao empresário tutela de urgência e determinou a exclusão das reportagens que haviam sido publicadas. E enumerou suas ameaças.

Como já foi dito, foi-se o tempo da intimidação, do assédio moral, do sabe com quem está falando. O restabelecimento da verdade dos fatos narrados por Notibras, foi garantido por Dias Toffoli. Amparado pela Constituição, o ministro, acionado, sentenciou que “no caso concreto, não se verifica situação apta a ensejar a excepcionalíssima intervenção do Poder Judiciário em sede de tutela provisória para a remoção de conteúdo jornalístico veiculado, com o tolhimento da liberdade de expressão e informação do reclamante, sob pena de censura prévia”. Toffoli julgou ainda que “qualquer matéria veiculada com conteúdo eventualmente injurioso ou calunioso, deve ser apurada de modo exauriente na via judicial cabível, gerando responsabilização penal ou civil posterior, não se justificando a censura imediata, tal qual determinada pela decisão reclamada”.

Toffoli foi na jugular dos abusos. O ministro reforçou o entendimento de que em um Estado Democrático de Direito, não cabe magistrados provocarem o Supremo a fim de sancionarem a censura prévia, ordenando a retirada de circulação de conteúdos jornalísticos. Este é mais um passo em direção a um terreno menos movediço das disputas jurídicas que envolvem a liberdade de imprensa.

Não existe jornalista intrépido, destemido, ousado. Mas existem jornalistas de brios. São justamente aqueles que enfrentam situações difíceis sem se permitir intimidar. Meus 53 anos em redações mostram que sou um dos que, entre tantos, buscam combater a ausência de uma legislação moderna, permitindo, nesse quadro de tintas negras, alimentar a indústria da judicialização da opinião que atrai o interesse e investimentos dos mais diversos tipos de malfeitores.

O trator engatou a primeira marcha. O bananal será devastado. Restará de pé a palmeira buriti, E quem apelido tem, seja gordinho, leoa ou baiano, saberá, tardiamente, que pães e vinhos, após digeridos, viram esterco.

**Matéria alterada às 8h14 para correção no texto

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