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Espada de Dâmocles assusta mito que pode virar lenda

A exemplo da tese aplicada ao futebol, a política não deveria ter inimizades como resultado. No esporte bretão supostamente não há inimigos, mas adversários. Infelizmente, isso só é aplicado nos países onde a educação e o respeito começam no berço e terminam onde se inicia o espaço alheio. No Brasil desecudado e sem brilho, ainda matam e morrem pela imposição de princípios políticos e em nome de uma paixão clubística que deveria ser apenas prazerosa. Evoluída em vários segmentos, mas compulsoriamente atrasada em outros, a Terra Brasilis parece viver eternamente sob a lenda da Espada de Dâmocles, nascida há 2,4 mil anos na história da Grécia. Criada pelo escritor Ovídio para ilustrar o perigo que se corre na busca do poder, a metáfora é, na verdade, uma alusão que representa a insegurança daqueles com grande poderio e que passam o tempo elocubrando tentativas para evitar a possibilidade desse comando lhes ser tomado de repente.

A lenda também é aplicada mais genericamente a qualquer sentimento de iminente danação, isto é, decadência moral ou material completa. Antes de seguir com a narrativa é preciso situar Dâmocles. Protagonista de uma anedota moral que figurou originalmente na história perdida da Sicília, ele era um conselheiro e cortesão bastante bajulador na corte do poderoso tirano Dionísio, de Siracusa. Certa feita, Dionísio ofereceu-se para trocar de lugar com Dâmocles, de modo que ele também pudesse sentir o gosto de toda sorte, sendo servido em ouro e prata, atendido por garotas de extraordinária beleza e servido com as melhores comidas. No meio de todo o luxo, Dionísio ordenou que uma espada fosse pendurada sobre o pescoço de Dâmocles, presa apenas por um fio de rabo de cavalo.

Ao ver a espada afiada suspensa diretamente sobre sua cabeça, o bajulador perdeu o interesse pela excelente comida e pelas belas garotas e abdicou de seu posto, informando ao líder que não queria mais ser tão afortunado. Pode parecer estranho associar Dâmocles às sucessivas ameaças de golpe como forma de sustentação política e de poder. Do ponto de vista do medo é exatamente a mesma premissa. Temos um mito que chegou ao topo administrativo sem jamais ter administrado uma casa. Pensa em se manter no alto da pirâmide, mas teme a disputa democrática pelo voto soberano, secreto e sem a marmota do voto impresso. Aliás, a defesa exagerada desse mecanismo demonstra exclusivamente o excessivo desbrio de enfrentar a segurança do sistema eletrônico de votação, sobre o qual não há qualquer suspeita comprovada de fraude.

Portanto, o antecipado desânimo tem tudo a ver com a fraqueza diante da queda da espada do eleitor, certamente muito mais afiada e certeira do que a faca de um doido que surgiu e desapareceu do nada. Pior do que o medo do presidente é a insegurança da maioria dos nossos políticos, em especial dos que se sustentam ou apoiam o governo federal. Vivendo uma espécie de crise de pânico desde a instalação da CPI da Covid, esse grupo foge das ruas e dos celulares como o Diabo da cruz. Faz pouco tempo vivemos situação parecida. Rerfiro-me à Operação Lava Jato, cuja exaustiva investigação desnudou deputados, senadores, governadores, ministros, empreiteiros e presidente da República.

Foi confirmada, por exemplo, a máxima de que, no Brasil, boa parte dos representantes do povo não usa a política com o desejo honesto de servir ao país e a seu eleitorado. Sem qualquer entrega vocacional objetivando o bem comum, a maioria quer apenas desfrutar dos privilégios e das benesses dos imperadores da antiguidade. A Lava Jato deixou claro que por longo tempo tudo era permitido. A Espada de Dâmocles sempre esteve sobre a cabeça de todos. O problema é que a história se repete neste período de pandemia sem remédio, quando muitos insistem em entender que os fins justificam os meios. Enquanto 2022 não vem, em vez de ameaçar pessoas e instituições, o presidente da República bem que poderia começar a governar. Afinal, ele foi eleito democraticamente para isso. Governe antes que a espada do povo o transforme em uma simples lenda, isto é, aquele que foi sem nunca ter sido.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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