Adriana Del Ré
Nas primeiras cenas, Leandra Leal aparece subindo os andares em um elevador daqueles antigos, com porta de correr manual. E, no alto do edifício, é recepcionada por Lázaro Ramos, que, com uma pequena câmera em punho, lhe pergunta no ato, com ela no seu foco. “Lelê, você falou uma vez que a gente finge que o Brasil é um país jovem. Por quê?” A atriz responde rapidamente.
“Não sei, acho que, desde que comecei a fazer o Divinas (Divas, documentário que ela dirigiu), que quando comecei o filme, achei que o principal desafio que teria seria a questão de gênero. E entendi, descobri que não. Eu lembro que teve uma pessoa que falou pra mim: ‘se fosse um filme de travestis jovens, sexys, mexeria com outra coisa, mas travestis velhos, pra quê?’. Isso me chocou bastante.”
Leandra é uma das convidadas da nova temporada de Espelho, que estrou nesta segunda, 27, que o ator Lázaro Ramos criou e apresenta há 12 anos, no Canal Brasil. Lázaro gosta de levar seus entrevistados a cenários longe de um estúdio formal. E eles podem ser tanto pessoas próximas, como a amiga Leandra Leal, quanto especialistas e pensadores em suas áreas de atuação, caso do ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame (cuja entrevista já está disponível no Canal Brasil Play e vai inaugurar essa nova temporada). Não importa. A conversa vai ser sempre conduzida com o mesmo grau de interesse, de inquietação.
“Geralmente, entrevisto pessoas que conheço pouco e, se conheço, falo de coisas que nunca abordamos”, comenta Lázaro Ramos, em entrevista ao Estado. Com Leandra Leal, por exemplo, Lázaro conversa sobre temas como feminismo, posicionamentos políticos, a relação dela com o Teatro Rival, no Rio, que é da família da atriz e que ela assumiu no lugar da mãe, a atriz Ângela Leal, e crise ética no País. Com Beltrame, ele fala sobre a complexidade do tema segurança pública, a decisão de Beltrame de ter pedido exoneração do cargo, entre outros.
Assim, Espelho mantém o compromisso de debater assuntos pertinentes que traduzem o momento em que o programa está sendo exibido. “(Este ano, trazemos) desde violência urbana, terceiro setor, feminismo, muitas mulheres falando sobre isso, os novos criadores artísticos, a turma da música, da interpretação. Por exemplo, o Agnaldo Rayol fala lindamente sobre o papel do artista, do que ele viu de mudanças ao longo de tantos anos de carreira. A ideia é tentar justamente isso: fornecer novos olhares, até para velhos assuntos”, observa Lázaro.
Com 26 episódios, essa 12ª temporada vem com novidades, a começar pela estética do programa, com ares de documentário, e pela nova abertura, que foi gravada na Antiga Fábrica da Bhering, no Rio, que também serve de locação para essa nova temporada. Além disso, Lázaro, que, ao longo desses anos, dirigiu nove temporadas de Espelho, passou o bastão da direção para o cineasta Thiago Gomes e o jornalista Frederico Neves.
Foi criado também o quadro Uma Foto, em que Lázaro vai às ruas e conversa com pessoas anônimas, que mostram, a pedido do entrevistador, alguma foto que carregam com elas. A partir dela, Lázaro vai descobrindo mais sobre essas pessoas, que, segundo ele, foram escolhidas aleatoriamente e que toparam lhe dar entrevista. E por que usar uma foto como ponto de partida? “Porque todo mundo tira foto hoje e achei que era uma coisa que todo mundo teria. Todo mundo tira selfie e é uma maneira, inclusive, de ressignificar a selfie, porque ela é, às vezes, aquela foto feliz, e aí achei uma provocação boa. Perguntar para a pessoa, por uma foto, e pensar o que ela escolheria para mostrar. E curiosamente não foram só selfies felizes as que foram mostradas. O quadro traz também a necessidade que as pessoas têm de serem escutadas”, explica ele. “Eu adoro fazer programa na rua, conversar com anônimos, sempre que eu posso estou fazendo isso.”
Ao longo desses 12 anos, alguns processos que nasceram com Espelho foram modificados, acompanhando um amadurecimento natural da produção – e até mesmo do próprio Lázaro. O programa teve início em 2005 debatendo assuntos relacionados à autoestima negra, mas, com o tempo, foi ampliando os temas. E como foi a experiência de se lançar, naquela época, como entrevistador? “Acho que, no começo, teve uma dose de coragem, de me colocar como um cara que está levando um bate-papo, deixar o entrevistado falar mais do que eu.”
E Lázaro Ramos não para. Está levando, com a mulher, a atriz Taís Araújo, pelo Brasil a peça O Topo da Montanha – e os dois querem retornar com o espetáculo mais uma vez para São Paulo -, e está prestes a voltar com nova temporada de Mister Brau, na Globo – com estreia prevista para 18 de abril. “É uma temporada que eu acho muito forte, porque traz um tema que o público começou a pedir na primeira temporada, que era falar sobre família. As pessoas entenderam que Mister Brau representava uma família, então, os roteiristas levaram isso adiante. E agora as novidades: os Brau têm 3 filhos, adotivos, e todos os conflitos que isso possa gerar, tem a mãe do Brau e o pai da Michele (Taís Araújo), a mãe do Gomes (Kiko Mascarenhas). E, este ano, a gente tem participação de artistas de verdade, de cantores de verdade. Tem Liniker, Marília Mendonça, Maiara e Maraisa, Jaloo. E tudo isso interagindo com a gente em todos os programas”, diz ele.
Não faz muito tempo, seu personagem, Mister Brau, fez uma participação especial na novela Rock Story, ao lado de Gui Santiago, papel do amigo Vladimir Brichta. “Se disser que eu que pedi (para participar), você acredita?”, Lázaro diverte-se. “As minhas duas últimas novelas fiz com Dennis Carvalho e Maria de Médicis (diretores de ‘Rock Story’). O Brau é sobre música, eles estavam fazendo novela sobre música. Falei: ‘Ô, gente, o Brau tinha de aparecer lá’. Eles acataram e eu achei muito legal. Essa mistura é muito boa.”