Alergia
Espera e descaso do atendimento médico
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emEm uma fria manhã de outono fui ao alergologista, uma especialidade médica com um nome difícil que tenta esclarecer e tratar a doença mais irritante que existe: a alergia. Tão irritante e egóica que muitos estudiosos entendem que ela não existe, é apenas um sintoma resultante de fatores psicossomáticos não resolvidos. Entendeu? Um não sei quê resultado de alguma coisa que não se sabe bem, que poderia ser, mas não é, que não tem cura, mas se prescreve remédios, pomadas e vacinas pra justificar sua existência; enfim uma aberração da medicina, não tem outra explicação.
Brincadeiras à parte, a minha visita ao médico me fez refletir sobre o que tem acontecido nos consultórios médicos nos dias atuais, e, aqui estou falando destes, situados em bairros de classe média da cidade, sustentados 80% por consultas de pacientes de convênio, não me atrevo a falar do serviço público, pois não sou capacitada para tanto .
Sou do tempo em que ir ao médico era quase ter uma entrevista com Deus: colocávamos a nossa roupa nova, trocávamos o tênis ou o sapato da escola por um sapato bom, e lá íamos nós, com a postura e a certeza de que sairíamos daqueles “quase templos sagrados” com nosso diagnóstico e a certeza da cura. Esperávamos em salas tranquilas e quietas à frente de uma enfermeira (não pensávamos que uma simples atendente pudesse trabalhar com um médico, não! Tinha que ser enfermeira diplomada!). A espera somente seria longa se não tivesse hora marcada, caso contrário, na hora certa, pimba! Lá surgia aquela figura de branco que esperávamos com respeito e admiração. Transpassar aquela porta era quase chegar ao céu, pois faltava pouco para darmos um ponto final no nosso sofrimento.
Muito diferente desta manhã, onde atendentes atarantadas fazem mais uma ficha, atendem mais um telefonema, copiam mais um número de carteira de infindáveis convênios; onde crianças são seres barulhentos e resmungões com mães aflitas e de semblantes cansados. Às vezes, vem também a avó ou uma tia, com mais um filho no colo e, todas, absolutamente todas, tentam consolar seus meninos com um pacotinho de algum salgadinho gorduroso; afinal todos choram porque querem ir embora daquele lugar.
Queridos meninos, eu também quero chorar, fugir daqui o mais rápido possível, mas, aprendi que esta espera é apenas o começo de uma peregrinação. O encontro com aquele que deveria dar-nos alento e solução para os nossos males te atende cada vez mais superficialmente.
Sai o “olho no olho” e entra o formulário impresso. Sai o “como você está se sentindo” e entra o ” volte aqui com estes exames”. São dias e horas trocados por cinco minutos muito mal digeridos e atendimento que beira a displicência.
Sinto no ar uma comercialização onde deveria haver dedicação e carinho, sinto que tem algo errado. Estas crianças com os narizes escorrendo e as peles vermelhas são muito espertas: elas sofrem porque já perceberam que vivem em um mundo doente, talvez por isso chorem tanto.
Sinto que o atendimento médico neste País precisa ser repensado, não é só no público, que sabemos que é um horror, mas em todas as classes e tipos de bolsos. Há uma banalização da doença e um desmerecimento ao doente que beira o escândalo e me deixa perplexa cada vez que preciso esperar horas em um consultório!
Enquanto levanto este questionamento, caro leitor, continuo aqui, no meu canto, neste lugar de horrores, até a porta do médico se abrir e provocar em mim novas esperanças. Afinal, quero pensar que todo o meu esforço não foi em vão. Vou entrar lá naquela sala pequena e abafada e acreditar, uma vez mais, que aquela pessoa à minha frente ainda é capaz de entender um pouco da natureza humana e de suas alergias. Boa sorte para nós!