Notibras

Esposa no leito da morte diz a marido que a vida é bela

Conheci a Marli através da minha irmã e, confesso, me senti atraído desde a primeira troca de olhares. No entanto, talvez por orgulho ou medo da iminente rejeição, fingi não ligar para a linda garota de 19 anos diante de mim. Quanto a ela, soube depois, não cogitou nem sequer me considerar além de irmão da melhor amiga.

Não foi no segundo nem no quinto encontro que aconteceu uma conversa de verdade, bem além dos costumeiros cumprimentos. Também não sei se foi tudo por conta da minha irmã, que, ainda hoje, tem a mania de dar uma de cupido. Seja como for, Marli e eu estávamos em um churrasco na casa de amigos, quando sentamos à mesma mesa.

Naquele dia, Marli estava quase muda, olhar disperso, como se estivesse alheia a tudo e todos ao redor. Procurei algum assunto para puxar conversa, mas o nervosismo me deixou sem palavras. Todavia, a sorte parecia estar ao meu lado, pois aquela garota se virou para mim e disse.

— Mauro, por que homem faz essas coisas?

— Que coisas?

— Magoar.

Ela fixou aqueles grandes olhos em mim, enquanto tentei não desviar os meus, como se querendo entendê-la. Ela pareceu se sentir acolhida, pois me abraçou, enquanto lágrimas discretas escorreram pela face tão linda.

— Desculpe.

— Você quer que eu pegue algo pra você?

Marli voltou a me olhar fixamente. Não demorou, me levantei e fui pegar uma água e um refrigerante.

— Você é tão gentil.

Fiquei sem entender, até que, na semana seguinte, quando tentava tomar coragem para convidá-la para sairmos, foi ela quem me chamou para irmos ao cinema. Marli, com aquele jeito próprio de olhar dentro dos meus olhos, me beijou a face.

— Mauro, se fosse outro, levado uma cerveja para me embebedar. Mas você demonstrou um cuidado comigo.

Do cinema, levei-a até sua casa. Ficamos em frente à porta por dois ou três minutos, até quando quis me despedir com um aperto de mão. Marli envolveu meu rosto com suas mãos e me beijou os lábios. Aquele gesto me pegou de surpresa. Não que não desejasse aquilo há tempos, mas eu não esperava.

A partir daquele dia, Marli se tornou a minha namorada. Minha irmã, apesar de querer que a melhor amiga e eu começássemos um relacionamento, ficou pouco enciumada. Mas nada que durasse mais do que uma semana ou duas, pois logo elas voltaram às boas.

Dois anos após aquele primeiro beijo, Marli me pediu em casamento. Devo ter feito uma cara estranha, pois ela pareceu entender algo que não condizia com o que eu estava sentindo.

— Mauro, se você não quiser, tudo bem.

— Eu quero.

— Sério?

— Sério. Mas é que eu pensava que era eu que deveria pedir a sua mão em casamento.

— Que bobagem! Além do mais, se eu fosse esperar por você, isso nunca aconteceria.

A cerimônia foi simples, pois preferimos usar o dinheiro para uma viagem sem preocupações com os gastos. Após a lua de mel, eu me senti muito adaptado à vida de casado. Minha mulher também parecia muito feliz e, quase três anos após, desejou que tivéssemos um bebê.

Após meses de tentativas, Marli e eu fomos ao médico para saber se havia algo de errado. O diagnóstico foi o pior possível. Minha esposa estava com câncer, que havia se espalhado. Fiquei sem chão, enquanto Marli, apesar de abalada, mostrou-se racional. Ela passou por tratamentos paliativos, até que, em outubro passado, tivemos nossa última conversa no hospital.

— Marli, por favor, não morra!

— Mauro, só quero te pedir uma coisa.

— O quê, meu amor?

— Não seja imprudente de não viver.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

Compre aqui 

http://www.joanineditora.com.br/57-contos-e-cronicas-por-um-autor-muito-velho

Sair da versão mobile