Acabei de receber uma ligação da Marta Nobre, chefe de Redação de Notibras e braço-direito do José Seabra, que anda fazendo um périplo por clínicas para extrair dois cistos nas costas. Ela me falou exatamente essas palavras: “Dudu, quero um conto de terror para assustar meu netinho”. Bem, como ela é a substituta imediata do chefe, tive que lhe fazer tal vontade. E vamos lá:
O Chevette vermelho, quase saído de fábrica, despejou aquelas quatro crianças, nenhuma acima dos 10 anos, nas vastas terras da fazenda Recanto das Amendoeiras, no município de Aparecida do Taboado, Mato Grosso do Sul. Elas mal ouviram a promessa do tio sobre ir buscá-las antes do final do dia. Correram desembestadas, tamanha a ânsia de colocarem os planos maquinados na noite anterior.
Nenhum adulto à vista, Pedro, os gêmeos Rafael e Rogério e o miúdo Serginho, neto do falecido proprietário daquela vastidão, correram para o riacho mais próximo. Só de cueca, a meninada mergulhava e voltava à superfície na velocidade da própria imaginação. Nenhum contou o tempo, mesmo porque ninguém se lembrava das cobranças da escola. Estavam de férias.
Sol a pino, Pedro foi o primeiro a sentir os clamores do estômago. Saiu da água e foi em direção à mochila, que havia deixado sob a copa de uma aroeira. Achou a mochila, mas não o pacote de biscoito que pensava que estava lá. Não gastou tutano para tentar adivinhar o que teria acontecido. Talvez um macaco mais atrevido tenha surrupiado tudo, sem deixar migalhas pro faminto.
O garoto tratou logo de voltar para o riacho, onde encontrou os primos na maior algazarra. Energia é o que parecia não faltar àquela trupe. Embrenhou-se naquela brincadeira até que, todos exaustos, tombaram às margens, ao mesmo tempo em que a tarde já começava a se despedir, dando boas vindas à Lua.
Esfomeados que estavam, foram procurar algo para rechear os buchos. Rumaram para o galinheiro, onde, por sorte, encontraram alguns ovos. Cada um catou o que cabia em suas pequenas mãos. Em seguida, foram em direção à antiga casa. No entanto, por azar, portas e janelas estavam fechadas.
Os guris, sem ideias melhores nas cacholas, quebraram os ovos e os devoraram crus. Não que gostassem daquilo, mas a fome era tamanha, que não tiveram escolha. Aquilo acabou por se tornar algo divertido, apesar das caretas. Encararam a gosma como uma verdadeira iguaria, a única que dispunham.
Logo veio a noite, nada do tio voltar. Será que ele havia se esquecido dos sobrinhos? Pedro, talvez o mais preocupado, começou a pensar em algo para se protegerem de possíveis animais, especialmente de onças, tão comuns naquela região. Foi aí que percebeu uma luz há quase um quilômetro. Vinha da casa do velho João, caseiro da fazenda.
Decidido a buscar abrigo, Pedro convenceu os primos a rumarem para a residência do homem. Os quatro juntaram-se como se fossem uma amálgama humana e começaram a caminhar. De vez em quando, um chirriá de uma coruja os fazia ainda mais grudados, enquanto apressavam os passos.
Os meninos, finalmente, chegaram à casa do velho João. Pedro, sempre à frente, bateu palmas. Nada. Chamou pelo velho. Nada. Esmurrou a porta. Nada. O menino foi acompanhado pelos companheiros e, assim, insistiram em palmas, ao mesmo tempo em que começaram a gritar.
Depois de quase desistirem, eis que a porta de madeira começou a ranger. A garotada, olhos arregalados, temeram pelo pior. Entretanto, para alívio dos garotos, surgiu a figura do João, mais barbudo do que de costume. Mas era ele, um rosto conhecido. Mesmo assim, Pedro questionou o velho sobre a demora.
– É que ele vive batendo à minha porta.
– Ele quem?, quis saber Pedro.
– O seu Sérgio.
– Ué, mas meu avô já morreu há quase dois anos, disse o pequeno Serginho.
– Pois é, sei disso. Mas ele ainda perambula por aqui.