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Esquerda perde discurso e esquece que povo quer comida, diversão e arte

Palácio do Planalto na Praça dos Três Poderes em Brasília

Alto e nem sempre pago de uma vez, é avassalador o preço da necessidade (ou obrigação) de governar de braços dados com artistas de ponta e coadjuvantes de correntes diferentes e com interesses múltiplos. Na fúria das ratazanas pelo melhor do cozimento, se o chefe da cozinha bobeia não sobra nem a rapa da panela. Tem sido assim com os últimos governantes. Tanto os de esquerda quanto os de direita, passando por aquele que não sabia de que lado estava, sofreram horrores com os dentes arreganhados dos ratos que surgem em profusão dos esgotos a céu aberto das 27 unidades da Federação.

Mais do que a fraqueza política dos presidentes eleitos, a nobre gula dos roedores gera o que estamos vivendo no Brasil há décadas. E não adianta alguém tentar um canto exato e novo, pois, lá na frente, ou todos têm voz ou reinará o silêncio mortuário no governo que se assanhar a gritar em nome do povo. Como carpideiras que choram os mortos com um olho fechado e outro aberto, os homens públicos que, após o resultado das eleições municipais, iniciaram o redesenho das áreas de comando do Brasil precisam ser alertados de que a negociação com vistas ao futuro ainda está em curso.

Acostumados a esmurrar os balcões de negócios quando não são atendidos, os supostos novos imperadores não podem esquecer que, embora tenha perdido fôlego, a esquerda liderada pelo PT não está morta. Sem embargos, o partido que já nasceu parrudo experimenta hoje um raquitismo indesejado, inesperado, mas inquestionável. O que não se deve minimizar é a virilidade da militância. Concordo com as teses de que os vanguardistas não se modernizaram, de que o preço da ampla coalizão ficou mais alto do que o combinado e que o conservadorismo ganhou uma força descomunal.

Também tenho de concordar com a máxima de que lideranças que estiveram a reboque por décadas começam a mostrar a cara. No entanto, considerando as chances recentes, é inegável que as expectativas da direita, principalmente da extrema-direita, são tênues e absolutamente insossas. Ágeis e espertos desde o berço, seus líderes estiveram por trás dos panos exclusivamente por conta das lucrativas negociatas de bastidores. Ou seja, venceram fácil nos municípios, mas até agora não disseram ao Brasil a que vieram. E tiveram oportunidade para isso. Em outras palavras, tudo indica que permanecerão a reboque de quem paga mais.

Antes valorosa, acreditada, progressista, protetora dos mais pobres e democrata até debaixo de pau, a esquerda esqueceu o que pregava. Deixou de fazer o dever de casa e não parece preocupada com isso. Na verdade, nem lutou por novos espaços. E quando tentou fazer, a Inês já estava enterrada. Lula foi e, até o surgimento de outro líder com o mesmo peso, continua sendo o cara. Todavia, o eleitor moderno exige discursos modernos. O povo de hoje não quer só comida. O povo quer comida, diversão, arte, informação, cultura. O brasileiro comum, aquele dos rincões, só quer empreender. Empreendedorismo é a palavra de ordem.

O resto é armazém de secos e molhados. Partindo do princípio bíblico de que as pessoas que não conhecemos muito bem são admiráveis, torço para que, no dia em que chegar ao poder, a direita meio barro meio tijolo, isto é, moderadamente democrática, não troque seis por meia dúzia. Aportuguesando, que seus caciques não façam como fizeram os revolucionários do Irã em 1979. Com base em preceitos religiosos, eles derrubaram a monarquia autocrática, autoritária e corrupta do xá Mohammad Reza Pahlevi e transformaram a antiga Pérsia em uma república comandada por raivosos, agressivos, perdulários e antidemocráticos aiatolás. Que nenhum novo aiatolá surja para nos atolar ainda mais.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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