Na esteira de um amigo das antigas redações, a melhor atividade das manhãs de sextas-feiras é ler nos principais sites de notícias os desmentidos relativos às lives que o presidente da República protagoniza no fim de tarde das quintas-feiras, normalmente dirigidas ao público fiel dos jardins do Palácio da Alvorada, aos ainda fanatizados pelos devaneios do mito e alguns artistas que faz tempo perderam plateia. O tom das conversas é sempre o mesmo: informações distorcidas e, naturalmente, favoráveis ao governo, números abstratos e mentirosos, ameaças a quem o critica, notadamente ao Supremo Tribunal Federal, incitamentos à violência e muitas, muitas provocações ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A intenção clara ao propor turbulências é esconder o blefe de uma administração fora da realidade e incapaz de cuidar do que realmente importa. A ideia da vez é o fuzil no lugar do feijão. A outra proposta, provavelmente a última aparição do presidente como político, está sendo articulada como amostra de uma força que ele tem apenas em parte. Refiro-me ao 7 de Setembro, quando os tanques de fuligem negra e a Esquadrilha da Fumaça devem novamente zizaguear pela Esplanada dos Ministérios e sobre o Alvorada. A tensão deve se estender pelas demais cidades do país, mas nada que fuja à normalidade, considerando tratar-se de crime a conduta de subverter as instituições vigentes, “impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.
Em outras palavras, golpe de Estado para depor governo eleito é crime. Por meio de um bem escrito artigo, o recado foi publicado semana passada e assinado pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski. Como não tenho dúvidas de que Jair Bolsonaro e todos os seus seguidores, incluindo os fardados, leram integralmente o texto, é bom sugerir que as barbas e as perucas sejam colocadas de molho. Conforme Lewandowski, “intervenção armada é crime inafiançável e imprescritível”. Acredito que somente os humildes têm consciência do inteiro teor do artigo. Os soberbos, que se vangloriam de qualquer vitória, ainda não aprenderam que a humildade é a maneira mais sábia de se viver. Acham que poder e fama são eternos. O capitão e seus amigos artistas bem sabem que não é.
As pesquisas mostram que todos estão errados. Certos disso e sem convites para “reuniões” no exterior, o staff mais fiel e os generais da cozinha do presidente buscam nos fins de semana novos espaços para elocubração do “golpe” que nunca virá e para fazer o que aqueles com um mínimo de sabedoria já perceberam: enganar os ingênuos, incrédulos e adoradores do caos. Isso quando não estão participando de um rolezinho de motocicleta com duas ou três dúzias de discípulos ou “surpreendendo” balconistas de padarias e supermercados da periferia ou do entorno de Brasília. A trupe presidencial insiste nesses “passeios”, embora todos saibam que, como teste de popularidade, além de arcaico, não aufere nenhum valor. O mito é sempre bem recebido porque ninguém educado desmerecerá uma autoridade, por mais que não a tolere ou tenha ela a grosseria que tiver.
Isso também ocorre com os “artistas” mais antigos que, por falta de público, buscam surfar na suposta onda popularesca do mito de barro. Sumidos das rádios, televisões e palcos, ex-celebridades como Amado Batista, Sérgio Reis, Eduardo Araújo, Batoré e o “comediante” Paulo Cintura, entre outros, tentam a qualquer preço colar seus nomes ao do capitão. Ainda não perceberam que o custo é alto, doloroso e duradouro. Sem entrar no mérito, o mundo da música, das artes e da dramaturgia é muito cruel com os traidores. É claro que cada um tem direito às preferências políticas e ideológicas. O que não se admite é a perda de valores e, sobretudo, “entregar” antagonistas ou criticá-los por benesses que ele (o crítico) não conseguiu alcançar. Os exemplos são vários. A Secretaria Especial da Cultura já “enterrou” dois astros da teledramaturgia. Um deles teve medo de Lula e muita fé em Bolsonaro.
Optou pelo negacionismo em lugar da vacina, experimentou o ostracismo e a ira de colegas e, em tempo recorde, estava na rua da amargura. Aliás, ainda está. Como senhor da razão, o tempo apaga ou fixa os principais ensinamentos da vida. Pior é quando fazemos pouco caso do tempo. É nesse momento que esquecemos que a maturidade deixa a gente craque na arte de ficar calado. Lembremo-nos sempre de que a jornada é que faz o campeão e não o pódio. Depois da leitura sobre os desmentidos da última live e do artigo do ministro Lewandowski, acabei surpreendido com o questionamento de uma amiga sobre minha escolha em uma eventual polarização entre Lula e Bolsonaro nas eleições gerais de outubro de 2022. Não acredito nessa polarização, mas, incorporando uma sabedoria que ainda não tenho, respondi com a mesma rapidez da pergunta: minha escolha será exatamente igual à sua. Os que me acompanham sabem que está próxima a volta dos que nunca se foram.