Aprendi com a vida que temos de gostar de tudo. Pelo menos me ensinaram a fingir. Como o tempo nos aprimora ou normalmente nos enrijece, o aprendizado levou-me a patamares bem mais grotescos e falsos do que a simplicidade e a ingenuidade de outrora. Confesso que preferia o ontem, mas entendi rapidamente que precisamos nos adaptar ao hoje, ao que se apresenta. Por exemplo, do pão com mortadela e da coxinha de anos atrás passamos a conviver nos dias atuais com a ingestão pausterizada de leite condensado, consumido com viagra para lubrificar próteses penianas compradas sob encomenda sabe-se lá para quem.
Tudo seria normal não fosse o famoso vice-versa, isto é, o não menos famoso pau que dá em Chico dá em Francisco. O moço da Presidência da República foi eleito exclusivamente porque entenderam que o homi (assim mesmo) que já esteve por lá se beneficiava do dinheiro público para si, para familiares ou para amigos e companheiros. O entendimento tem lá seu fundo de verdade, mas, sinceramente, qual a diferença entre se beneficiar e meter a mão? Levantamento recentíssimo de grupos que acompanham os gastos do Planalto revela que, de 1º de abril a 5 de maio, foram gastos R$ 4,2 milhões nos cartões corporativos.
Esse total corresponde a uma média de R$ 120 mil por dia, algo como R$ 5 mil por hora. É pouco? Não sei como gastaria toda essa grana em pouco mais de 30 dias. O que foi feito dele poucos sabem. A massa jamais saberá, pois o que acontece por lá está sob sigilo de 100 anos. Curiosidades e necessidade de sermos informados à parte, morreremos, nasceremos de novo e o moço permanecerá honesto. Portanto, essa é a principal diferença. Acusado, condenado, preso, linchado e depois absolvido (?) até pela ONU, do outro sempre se soube tudo.
Baseado na máxima de Sigmund Freud, para quem “ser inteiramente honesto consigo mesmo é um bom exercício”, tenho como leitura de cabeceira seculares textos judaicos. Atualíssimo, um deles afirma que “o homem digno ganha para viver; o menos honesto vive para ganhar”. Parto do pressuposto do teólogo Erasmo de Roterdã, cuja teoria mais conhecida afirma que é muito mais honesto estar nu do que usar roupas transparentes. É bem por aí. Nada contra a forma de viver do semelhante, mas tenho medo dos que mentem quando bebem. São os que mais bebem. Por exemplo, por que sou obrigado a admitir como correta a afirmação de que os presidentes que antecederam o atual eram corruptos e corruptores? E por que não posso pensar o mesmo do que está no poder?
Para os menos leigos, são perguntas de fácil resposta. Não tem corrupção no governo porque não há investigação. Setores e pessoas com podres poderes superiores impedem. Simples assim. É a tal da maldita inversão de valores. Os normais nada podem, enquanto os fanáticos nadam de braçada. Adorador é somente o que podemos. A demissão, a exclusão ou o linchamento é a punição para quem deixa de ser ou se manifesta contrariamente. Que o diga o almirante de esquadra Bento Albuquerque, demitido do Ministério de Minas e Energia apenas para agradar os caciques do Centrão. Composto por parlamentares sérios e preocupados com o progresso do país, o bloco sonha diariamente com um engavetado projeto de gasodutos, os quais, a preço de hoje, custarão R$ 100 bilhões aos cofres públicos.
Bento Albuquerque saiu porque era contra o jabuti do bilhão. O Centrão moverá mundos para aprovar o projeto. E quem o tocará? Ninguém menos do que o empresário baiano Carlos Seabra Suarez, o “S” da empreiteira OAS, a mesma da Lava Jato. Então, caras pálidas, o que mudou no país do faz de conta? Nada, absolutamente nada. Perdão mais uma vez pelo sincericídio, mas, excetuados o ultrapassado e nada republicano interesse pessoal e o incontido desejo de desordem social, o que leva determinados grupos de seres humanos, também conhecidos por eleitores, a não se emendar e continuar elegendo para cargos públicos pessoas desprovidas de qualquer senso de responsabilidade? Pior do que elegê-los é defendê-los. Deus salve o Brasil.