Estatueta do Oscar tem tudo para ser dos negros, com o branco Rock como o mestre
Publicado
emLuiz Carlos Merten
Ryan Coogler pertence à novíssima geração de cineastas afrodescendentes dos EUA. Ainda não chegou aos 30, que completa em maio, e já tem dois longas no currículo, mais um terceiro a caminho. A Marvel confirmou na segunda-feira, 11, que ele será o diretor de Pantera Negra, com estreia prometida para 2018. Coogler realizou Fruitvale Station – Última Parada e Creed – Nascido para Lutar, que estreia nesta quinta, 14.
Quem viu o Globo de Ouro, e a homenagem da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood a Denzel Washington, assistiu ao que não começou naquele dia, mas não deixa de ser um reconhecimento do audiovisual dos EUA ao seu contingente negro. Nos anos 1960, nem faz muito tempo, a América vivia outra (quase) Guerra Civil, com a intensificação da luta por direitos, fosse pacífica, na vertente de Martin Luther King, ou violenta, na de Malcolm X. O resultado estava na premiação do Globo de Ouro. O reconhecimento a Denzel, Jamie Foxx, Will Smith e Viola Davis.
Todos os filmes de Ryan Coogler tratam da aceitação da negritude. A Última Estação inspira-se na história real do jovem negro morto pela polícia do metrô de São Francisco no réveillon de 2008. Pantera Negra será sobre T’Challa, príncipe de Wakanda que vira super-herói. E Creed não pertence à série Rocky, por mais decisivo que seja o emblemático personagem de Rocky Balboa, criado por Sylvester Stallone nos anos 1970. Nascido para Lutar é sobre Adonis Johnson, que precisa construir sua trajetória, saindo da sombra do pai biológico, o lendário pugilista Apollo Creed – que Rocky enfrentou com honra em sua série -, para, só assim, se fazer merecedor do sobrenome ‘Creed’.
No centro dessa luta por identidade está a questão visceral da paternidade. Apollo não teve tempo de assumir o filho e o garoto obcecado por lutas vai bater na porta do ‘tio’, e se trata justamente de Rocky, para que ele o treine. Cria-se um vínculo entre os dois. Stallone perdeu o filho, Sage, na vida. Na ficção, Coogler mostra a foto de Rocky com o filho, mas o garoto foi viver sua vida longe do pai. Relações de afeto, de sangue. Rocky e Adonis ensinam-se mutuamente a lutar – pelo título, pela vida. Todos têm/temos dificuldades. Adonis se envolve com garota que sonha ser cantora, mas sofre de surdez progressiva e sabe que um dia vai mergulhar no mundo do silêncio.
Creed começou a nascer antes de Fruitvale Station, como um tributo de Coogler a seu pai, que amava Rocky – e apoiou o filho que queria ser cineasta. Mal saído da escola de cinema, ele levou a um cético Stallone seu roteiro sobre o filho de Apollo Creed. Se a questão da paternidade é visceral, a afirmação do personagem é também a do cineasta. O recurso a Stallone é duplo – como ator e personagem, e como produtor executivo, mesmo que a produção seja de Winkler/Chartoff. E, pela primeira vez, Rocky aparece num filme que não foi escrito pelo astro.
As referências e similaridades estão todas lá. A luta decisiva, a gloriosa corrida de Adonis pelas ruas da Filadélfia, cercado por todos aqueles motociclistas, e a subida da escadaria até a esplanada de onde Rocky sempre avistou seu futuro. Procurando, e nem precisa ser com lupa, podem ser encontrados defeitos em Creed. A arte não precisa ser perfeita, já dizia um grande, Roberto Rossellini. É mais importante que seja vital, ou transmita um testemunho. Coogler arranca uma bela interpretação de Michael B. Jordan, que foi seu ator em Fruitvale. A química do garoto com Tessa Thompson inflama a tela de erotismo. Stallone sempre foi enrolado para falar. Emula o Chefão pós-enfarte. Marlon Brando encarna no garanhão italiano. Stallone está maravilhoso. Ganhou o Globo de coadjuvante. Que venha o Oscar, mas antes a Academia precisa anunciar seus indicados.