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Estrelas Além do Tempo faz o mundo ficar mais branco

Luiz Carlos Merten

Pode ser mera coincidência, mas havia em Os Eleitos, de Philip Kaufman, de 1983 – o maior filme sobre a epopeia espacial dos EUA -, uma cena emblemática. Chuck Yeager, o piloto rejeitado pela Nasa por seu individualismo, sobe mais alto que qualquer outro homem pilotando um jato, e em paralelo com as nuvens que ele atravessa existe a dança da mítica Miss Sally Rand.

Dançarina de strip-tease, ela ficou famosa na “América” pelas plumas que a envolviam. Há, agora, em Estrelas Além do Tempo, de Theodore Melfi, outra cena de montagem paralela, e não pode ser só coincidência. O filme estreia no Brasil nesta quinta-feira (2).

Os Eleitos era, até certo ponto, sobre um excluído (Chuck Yeager). O filme de Melfi é sobre excluídas, no plural. No filme dele, Kevin Costner detecta um problema de cálculo pouco antes do lançamento de John Glenn. O próprio Glenn, já na plataforma, sugere que “the lady”, a moça, refaça os cálculos.

A “moça” é Katherine Johnson, gênio da matemática, um dos computadores humanos da Nasa. Naqueles tempos heroicos da computação, “Kat” corrigia a máquina. De salto alto, a atriz Taraji P. Henson corre com seus cálculos refeitos. Chega a tempo de salvar o astronauta, mas a porta lhe é fechada na cara. Pois Katherine é negra e os protocolos da Nasa não permitem a entrada de mulheres, muito menos negras.

Para urinar, em tempos de segregação racial, Katherine tem de correr muito até o seu banheiro sem conforto. Por isso, muitas vezes, Al Harrison/Kevin Costner, não a encontra quando procura. E ele se exaspera. “Al” é a soma de três homens que existiram de fato na Nasa dos anos 1960. Kat, Dorothy Vaughn e Mary Jackson, interpretadas por Taraji, Octavia Spencer e Janelle Monáe, são figuras reais. Dorothy terminou dando nome a um edifício da Nasa Mas, na época, eram figuras ocultas (Hidden Figures, título original). Como mulheres e negras, por mais brilhantes que fossem, eram vítimas de um sistema baseado na exclusão.

Havia o banheiro para negros, a cafeteira para negros. Talvez de forma muito hollywoodiana, ou seja, romanceada, seja preciso um Kevin Costner, com tudo o que a persona desse ator representa, para abrir a porta, ou um garoto radiante, cheio de esperança como Glenn, que já vive no futuro, para enxergar “beyond”. Além. E é sobre isso que o filme fala. Sobre as lutas de mulheres negras para se afirmar no mundo preconceituoso.

E o preconceito não é só dos brancos – de Kirsten Dunst, que acha que não é racista, como lhe diz Octavia Spencer, e as duas têm belas cenas depois. É um pouco do marido de Mary e do pretendente de Katherine, interpretado por Mahershala Ali, que acaba de ser premiado no SAG Award (por Moonlight). É um filme polifônico, nada simplista e muito bem realizado e interpretado. Não por acaso, ganhou o prêmio de elenco do SAG.

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