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Eustáquio, viúvo, se veste de ipê e frustra amiga viúva

Eustáquio, aos 74 anos, percebeu que já havia chegado o dia de guardar o luto pela perda da companheira de uma vida, que partira por conta desses acasos que, não raro, nos tomam por assalto. Há quase dois anos, ao atravessar a avenida mais movimentada da cidade, a velha teve um piripaque e caiu dura. Por sorte, o caminhão que vinha logo ali freou a tempo de não esmagar o frágil corpo da defunta.

Bizarrices à parte, o viúvo precisou abraçar a própria sina, já que ninguém o faria por ele. Não que fosse solitário, sem parentes e amigos. Não! Um ou outro gato pingado aparecia de vez em quando para visitá-lo, mas nada que durasse mais do que um par de horas, quando muito. Ademais, Eustáquio, por vontade ou teimosia, cismava em se manter distante da praça, onde os idosos costumavam gastar o pouco tempo que lhes restava em infindáveis partidas de dominó.

Disposto a não entregar os pontos, abriu as janelas do apartamento sem pilotis na antiga quadra da Asa Sul. Olhou em volta e, então, se deparou com um ipê florido de amarelo. Foi o estopim para empurrar o homem para a rua. Quem sabe, naquele dia, não encontraria algum motivo para continuar respirando o ar seco de Brasília?

Já na calçada, Eustáquio rumou para a padaria. onde resolveu se sentar numa mesa ao canto. Pediu uma xícara de café e dois pães de queijo. Enquanto aguardava pelas iguarias, notou uma senhora em outra mesa. Tentou puxar pela memória o nome da mulher, mas seu pensamento foi logo interrompido pela garçonete, que lhe serviu.

Enquanto sorvia o café e mordiscava um pão de queijo, Eustáquio, do nada, se lembrou do nome da conhecida. Veridiana! Sim, um nome incomum por esses tempos repletos de Júlias e Carolinas. Seja como for, o sujeito tratou de se levantar e ir dar um olá para a amiga.

O cumprimento logo se tornou prosa das boas. Eustáquio pediu mais duas xícaras de café e biscoitos sortidos para degustar com a companhia, que se revelou receptiva. E, por quase dois meses, a padaria se tornou ponto de encontro daqueles dois.

Viúvos que eram, Veridiana e Eustáquio resolveram tentar a sorte e marcaram de assistir a um filme na tarde de quarta-feira, quando os cinemas são mais vazios. Era o prenúncio de que algo além de café e biscoitos sortidos pudesse vir a acontecer. No entanto, somente o tempo poderia afirmar.

No dia combinado, Eustáquio, provavelmente inspirado pelas flores do ipê-amarelo que havia visto há algum tempo, resolveu vestir a camisa da seleção brasileira. Bermuda branca com bolsos para todos os lados, tênis e meias soquete e, para completar o visual, os óculos escuros de certa marca italiana. E lá foi o coroa para o prédio da amada, de onde pegariam um táxi até o cinema.

Veridiana, assim que avistou o quase namorado se aproximando, fez cara de espanto. Eustáquio parece que não percebeu a fisionomia contrariada da mulher, até que aconteceu o seguinte interlúdio.

— Por favor, Eustáquio! Não vá me dizer que você só tinha essa camisa?

— Não gostou?

— Óbvio que não!

— Ué, por quê?

— Você está parecendo um ovo estrelado.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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