Apoiadores empedernidos e sôfregos do mito que se misturou à poeira do Cerrado, os evangélicos cobram diálogo e clareza do governo de Luiz Inácio, embora continuem resistentes a qualquer mudança que signifique avanço social. Suposto leigo das entranhas das igrejas comandadas pelos papas Silas Malafaia, Robson Rodovalho e Edir Macedo, a primeira pergunta que me surge é o tipo de clareza que eles querem. Seria o dízimo da Presidência da República e dos ministérios que não receberam? Quanto ao diálogo, são eles que não querem. Lula já os convidou para debates sobre as pautas nacionais, mas os terrivelmente servidores de Deus só admitem sentar à mesma mesa se os temas forem do interesse dos evangélicos.
E os demais brasileiros, que são cristãos menos radicais? Apesar do pouco tempo de governo, os nossos “amigos” da Igreja Universal, da Assembleia de Deus e da Sara Nossa Terra, entre outras, insistem em negociar somente as chamadas (por eles) pautas de costumes. Em outro português, topam tudo para conhecer as políticas governamentais sobre diferenças, valores, medidas sobre aborto, ideologia de gênero, combate à pedofilia, privilégios para templos, entre outras. Ou seja, só aceitam debater o que não aceitam nos outros. Suas santidades esquecem que há uma série (talvez um monte) de coisas que os cristãos normais também não aceitam nos que só falam em Deus se houver a possibilidade de um dindin.
O Brasil é um país de diferenças. É assim que vivemos há 523 anos. Há homens, mulheres, trabalhadores, ladrões, heteros, gays, transsexuais, artistas, jogadores de futebol, pastores evangélicos, padres, pais de santo e até políticos. Na medida do possível e desde que haja respeito de parte à parte, todos convivem bem. Então. por que tentar proibir, conter ou controlar o que está posto? A única convergência certamente está ligada ao combate à pedofilia, um dos maiores cancros da sociedade mundial, cujo nascedouro pode ter sido a igreja. E não importa qual, na medida em que todas deveriam estar preocupadas com os valores coletivos e não com a individualização de assuntos caros a todos.
É o retrato do Brasil, onde poucos tentam há séculos comandar a vontade da maioria. Segmento popular que manifestou firme oposição a Lula desde o início da campanha vitoriosa de 2002, os evangélicos de cabresto precisam lembrar, antes de reivindicar postos e cargos, que desejaram a morte do presidente eleito. Tudo bem que foram massacrados, bestial e diabolicamente, por quem, no passado, deveria ter trabalhado pela unificação do povo. Não são mais. Por essa razão, entendo que a cobrança, os acenos e os acertos devem ter mão dupla. Do que os evangélicos abririam mão? Será que aceitariam gays, lésbicas, azarões e os sem vintém em seus cultos arrecadadores?
Tomara que sim. Pelo menos os evangélicos progressistas admitem essa hipótese. Em caso positivo, aí sim estaria aberto o diálogo. Apesar de, por enquanto, as tentativas permanecerem na unilateralidade, consultas populares indicam que, no segmento, a aprovação de Luiz Inácio aumentou de 24% em abril para 29% em junho. A taxa, porém, é menor do que a de março, que alcançou 31%. Pelo sim, pelo não, já é um bom avanço. O problema maior está no Parlamento. É lá que o trem descarrila. Da mesma forma que não consegue conter a voracidade financeira do Centrão, o presidente Lula sofre para conquistar os votos dos pastores travestidos de deputados e senadores. A soma é simples. Enquanto não houver divisão equânime do dindin entre essas duas vorazes vertentes do dinheiro alheio, não há negociação.
Em outras palavras, se não houver dízimo, nada feito. Como, em princípio, tudo que começa chega ao fim, sempre acredito na boa fé do semelhante. Por isso, me predisponho a esquecer as recentes críticas ao churrasco negociador de Lula, lembrando que servir petiscos a “negociadores” é muito mais honesto do que comer frango com farofa nas ruas das grandes cidades apenas para mostrar que é popular. Sobre aqueles que só pensam em si, vale citar uma frase de William Shakespeare, escrita há alguns séculos, mas inquestionavelmente atual: “O demônio não soube o que fez quando criou o homem político. Por isso, acabou enganando a si próprio”. Será que ainda temos salvação?
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978