Evelina, gata até dizer chega, há muito aceitara a sina de ser notada por onde passava. E como passava! Aliás, desfilava um turbilhão de sensualidade digna daquela outra, a tal Grabriela de um certo Jorge, tão amado pelo mundo.
Apesar de tantos atributos que roubavam todos os olhares, sejam de desejos, sejam da mais pura inveja, a mulher andava às turras para desvendar os mistérios da condução de automóveis. Era uma coisa de passar marcha daqui, marcha dali, engatar a ré, pisar no freio, fazer controle de embreagem e, se deixasse, Evelina pisava fundo no acelerador. E sai da frente!
A beldade, após ser reprovada pela quarta vez na prova de habilitação, estava decidida a vencer tamanho desafio. De tão empenhada, acabou por abandonar quase por completo as farras. Quase. É que nem sempre dava para fugir da paixão por uma boa patuscada.
A despeito da louvável força de vontade da Evelina, ela não conseguiu se desvencilhar da bambochata promovida pela Ana Paula, amiga de esbórnia dos tempos de adolescência. Regada a cerveja e samba de primeira, caiu no começo da noite internacional da frascaria. Sexta-feira!
E lá foi a moçoila para o rega-bofe na casa da companheira de longa data. O problema é que, no dia seguinte, a Evelina enfrentaria mais uma prova de direção. Ademais, entre tantos pratos servidos, ela se interessou mesmo foi por um gajo de belos olhos castanhos e sorriso de fazer qualquer mocinha direita perder o juízo. Não que fosse o caso dela, mesmo porque juízo era coisa dos tribunais, e a Evelina era da matemática.
Lá pelas dez da noite, a poderosa já havia perdido as contas dos copos de cerveja, sem contar as duas ou três tequila. Sob o efeito do álcool, a libido da mulher foi às alturas. Tanto é que se deixou carregar pelos braços do Ivan, o tal rapaz de bela aparência.
Já devidamente acomodado no quarto de hóspede, o casal teve uma noite daquelas. Após refestelarem-se, os pombinhos adormeceram de conchinha, o que indicava o prenúncio de que haveria repeteco quando o dia amanhecesse. Que nada! Assim que Evelina despertou, olhou para o relógio e percebeu que, caso não corresse, iria perder a chance de, finalmente, ter a sua tão almejada carteira de motorista.
Saltou da cama, vestiu-se numa ligeireza que, caso houvesse essa modalidade nos jogos olímpicos, certamente seria medalha de ouro. Em seguida, correu para o ponto de ônibus. Por sorte, o coletivo não demorou a passar. E, meia hora após, Evelina chegou ao local da prova do Detran. Um pouco atrasada, é verdade, mas nada que a impedisse de fazer o teste, mesmo porque vários outros aspirantes à motorista formavam uma fila enorme.
Evelina aguardou pacientemente até ser chamada para entrar no automóvel. Os instrutores, já passados dos 50, receberam a candidata com bons olhos, talvez na vã esperança de que algo pudesse acontecer. A mulher, no entanto, não pareceu perceber aqueles olhares carregados de desejos, já que, assim que se sentou ao volante, algo começou a incomodá-la na parte debaixo da coxa esquerda.
A rainha da beleza ligou o veículo, pisou na embreagem, passou a primeira marcha, quando algo inesperado aconteceu. O incômodo começou a descer pela perna, indo parar justamente na barra da calça. Não se sabe se foi por milagre ou, então, por estar com todo o medo voltado para aquela coisa que estava descendo pela perna, Evelina conseguiu fazer o percurso sem qualquer falha. Enfim, aprovada!
Evelina recebeu a notícia sem muito entusiasmo. É que ela não conseguia deixar de pensar naquela coisa que ainda estava presa ao seu calcanhar, até que, por fim, a mulher reconheceu a coisa vermelha que começou a sair sobre seu tênis: a calcinha.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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