Pedindo vênias antecipadas à instituição Forças Armadas e aos amigos que gloriosa e respeitosamente mantenho nas três forças, não posso permitir, entender ou aceitar que o Diabo vista farda. Está longe de todos os antecedentes democráticos de qualquer nação ordeira.
Na vida em sociedade, respeito é uma via de mão dupla. Mais didaticamente, respeito dado é respeito recebido, como uma corrente sem fim. E quem o planta normalmente colhe admiração. Desde menino, aprendi com os militares da época que respeito mútuo na vida e no trabalho é sinônimo de alicerce sólido das relações duradouras.
Era um período ditatorial, mas de verdades, isto é, os generais e coronéis, majores, capitães e sargentos que assumiram o governo jamais mentiram sobre suas reais intenções. Estavam ali a pedido do povo (?) para acabar com a bandalheira dos aprendizes de comunistas, alguns supostamente formados pelos mestres de Cuba e da então União Soviética. Com ressalvas da maioria e luta ferrenha da minoria, admitir como nossos os slogans Braço forte, mão amiga; Protegendo nossas riquezas, cuidando de nossa gente e Asas que protegem o país era prerrogativa da mesma sociedade que aceitou o comando.
Passados 38 anos do fim do exílio do povo brasileiro, vivemos sob a égide de um sistema de governo livre chamado democracia. Então, por que continuar acreditando no positivismo da imagem das Forças Armadas, quando alguns de seus integrantes conspiraram contra as urnas eletrônicas, não se insurgiram contra as tentativas golpistas de um cidadão hierarquicamente inferior, embora presidente da República, participaram do terrorismo contra bens inquestionavelmente republicanos e insistem em defender os membros que compõem a banda podre da instituição?
Como cidadão, sugiro que, caso a ideia seja conter os arranhões na imagem ajam assertiva e positivamente. Para os que pensam como eu, fica difícil explicar visualmente a diferença entre a instituição séria e o grupo de militares que sabida e publicamente incitaram o golpismo do ex-presidente e as dúvidas acerca do sistema eletrônico de votação. Por exemplo, como reconhecer como normal um hacker se reunir cinco vezes com representantes do Ministério da Defesa, órgão que chamou para si os questionamentos relativos às urnas? Maior das anomalias, as reuniões com o ex-presidente podem ser incluídas na extensa lista de malfeitos de um mandatário que, desde soldado raso, já sonhava com a força se sobrepondo às normas, às leis e à democracia plena.
Enfim, claramente o Exército brasileiro quer se livrar do envolvimento com as maracutaias descobertas a partir dos porões dos palácios do Planalto e da Alvorada. No entanto, seus comandantes acham normal que o tenente-coronel Mauro Cid participe fardado das CPIs que apuram as confusões de 8 de janeiro.
Óbvio que ele pode se vestir como bem entender. Ocorre, porém, que ele é investigado e os plenários das ditas comissões não são passarelas para desfile de estrelas. Se os parlamentares não devem ser respeitados, o povo que paga os salários daqueles cuja conduta deveria ser pra lá de ilibada merece um pouco mais de apreço.
Depois da escancarada confissão do presidiário Walter Delgatti, o mínimo do que se esperava de determinados oficiais era vir a público para confirmar, negar, lamentar ou esculhambar o hacker que botou todo o entorno do capitão na mesma bacia carregada de enxofre. Não se dispuseram.
Ainda há tempo. O Brasil que diverge do processo ideológico personalista do ex-presidente aguarda ansiosamente por isso. A norma republicana estabelece que vento que venta lá também tem de ventar cá.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978