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Falência múltipla

Experiência ensina que dança é conforme a música

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Reprodução/Guia Cultural Rio

Descobri ainda bem jovem que causava sensação entre as garotas do bairro. Era – e sou – meio sem sal, não tinha dinheiro, carro, lambreta e nem ao menos romizetta. O coração era gelado, a cara de tarado e na praia ou no cinema eu era um horror. Enfim, nada que chamasse atenção. O que fazia com alguma maestria era dançar, que é a forma de qualquer macho alfa se imaginar livre como um pássaro e feroz como um leão. Taí o que elas queriam: um borboleto voador. Escondendo as anáguas e sem rodar a baiana, me sentia desse jeito quando ciscava pelos salões. Desde então, tenho certeza de que, se a música pode unir as pessoas, a dança pode conectá-las. Magro de dar dó, meu forte sempre foi o sacolejo de um monte de ossos soltos pelo corpo.

Mesmo sem molho e sem grana, não perdia um dos inúmeros bailes da vida. Se não conseguia acompanhar os conjuntos da época nos clubes, partia para os terreiros de umbanda, as quadras de samba e, principalmente, as gafieiras do Centro do Rio de Janeiro, onde a gente entrava com quaisquer dois mil réis Ali, meus pés se tornavam asas. As boas músicas representavam o vento que me impulsionava para voar. Só me sentava quando o crooner da banda se metia a puxar uma daquelas melodias que lembram as danças francesas populares na década de 1840, todas associadas aos cabarés da França, entre eles o Moulin Rouge. A mais famosa dessas danças é o cancã ou cancan.

Preferia ficar sentado para vislumbrar as moças com o cancan de fora. Era o momento em que velhacamente minha picardia se expressava sem maldade, safadeza, promiscuidade, afronta ou falso decoro. Parecia provocação dos deuses dos salões à pirraça de um jovem recém-iniciado nos campos das peladas. Nunca fui coroinha, mas, como tive acesso cedo às histórias pornográficas do Clero, eu já sabia que não há paixão mais egoísta do que a luxúria. No entanto, que mal há – na verdade havia – em ver um cancan esvoaçante? Afinal, um baile de gafieira nada tem a ver com as palestinas cidade de Sodoma e Gomorra. Se tivesse, Deus já teria destruído todos esses locais com fogo e/ou enxofre caídos do céu.

Também cedo aprendi com mestres do jornalismo romântico, entre eles Apparício Fernando Torelly, que o tempo que dura um minuto depende de que lado da porta do banheiro a gente está. Compreendi, principalmente, que a vida começa quando percebemos que ela não dura muito. Essa é a razão pela qual continuo dançando, pois, sem muita criatividade ou imaginação, digo sempre que a dança é como um livro em branco e que meu corpo é a tinta que preenche cada página como minhas emoções e sentimentos. Pelo sim, pelo não, nem sempre podemos escolher a música que a vida toca, mas podemos escolher o jeito de dançar.

Tento fazer isso desde o despertar ao primeiro sono. O segundo é o próximo passo, do qual não fujo, mas, se puder, negocio para que ele me esqueça. Na medida do possível, sigo os ditames do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, para quem na vida é preciso dançar conforme a música. “E os que foram vistos dançando acabaram julgados como insanos por aqueles que não conseguiam ouvir a música”. Em resumo, a vida é uma festa. É pura magia. Então comece a dançar antes que a melodia acabe. Lembre-se sempre de que, na vida, quem não dança, dança!

Continuo como aquele sujeito pobre que mete a mão no bolso e só tira os dedos. O que fazer? Não esquecer que o sucesso é daqueles que batalham. Pois é o que faço desde o ventre. Permaneço fazendo no dia a dia, na profissão e, sobretudo, nos contatos imediatos de terceiro grau. Minha coreografia não é a mesma faz tempo. Hoje, lembro um átomo que perde elétrons a cada esticada, tal e qual uma samambaia em vias de falência múltipla. Todavia, mesmo sem a picardia da juventude, continuo bailando, porque dançar é a mais bela forma de contar uma história sem dizer uma única palavra. Não tenho e nunca tive certeza de nada. Contudo, bato no peito para dizer: Sem baitolagem e com muita picardia, é claro.

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