Em novembro do ano passado ganhou força o debate sobre a revogação do Estatuto do Desarmamento. Deputados financiados pela indústria das armas se articularam e, sorrateiramente, no momento em que a reta final das eleições tirava a atenção sobre o Congresso, montaram uma Comissão Especial para apreciar o projeto de lei 3722/12, que estabelece a revogação do estatuto. Na ocasião, o PL acabou sendo arquivado.
Nessa nova legislatura, a Comissão Especial voltou a ser instalada no dia 14 de abril, na Câmara dos Deputados. Novamente, parte dos deputados que a compõe foi financiada pela indústria de armas. Além disso, os mesmos argumentos falaciosos apresentados anteriormente seguem sendo defendidos.
A primeira justificativa usada para defender a revogação é de que a população rejeitou o desarmamento no referendo realizado em 2005 e a manutenção do estatuto, portanto, estaria contrariando a vontade da maioria. Impossível pensar em um argumento mais falso.
O que a população rejeitou em 2005 foi a proibição da venda de armas e munições, o que vem sendo amplamente respeitada desde então. Aliás, mais de 72 mil novos registros foram autorizados a civis que cumpriram os requisitos da nova lei desde 2004.
Todo o restante do estatuto estabelece uma ampla política de controle de armas no país. Ninguém em sã consciência pode ser contrário à correta regulação da circulação e uso das armas de fogo. A menos que haja interesses de outras naturezas envolvidos.
Atualmente, o estatuto permite que cidadãos tenham armas em casa e estabelece que para portá-las nas ruas é preciso ser profissional de segurança ou extremamente habilitado. Em um país no qual parte significativa dos homicídios acontece por motivo fútil, em brigas cotidianas, quando a presença da arma torna o conflito letal, nada justifica que a atual lei seja revogada. Novamente, fica a pergunta sobre quais interesses movem tamanha sanha pela revogação do estatuto.
Outro argumento usado por quem é contra o controle de armas no Brasil é de que esse controle apenas desarma o cidadão de bem, enquanto bandidos seguem fortemente armados. Ora, se é fato que o Brasil vive um problema de violência armada, mais certo ainda é o fato de que o mercado legal, ou seja, as armas dos cidadãos de bem, é que abastece parte significativa desse mercado ilegal. Armas não são plantadas em fundos de quintal, elas são fabricadas e entram legais no mercado.
Recente pesquisa realizada pelo Sou da Paz com mais de 14 mil armas apreendidas pela polícia na cidade de São Paulo demonstra que 80% delas têm origem nacional, tendo entrado legalmente no mercado e, em algum momento, foram desviadas para a mão de criminosos.
Essa mesma pesquisa aponta que 64% das armas apreendidas nas mãos de criminosos foram fabricadas antes do estatuto, o que comprova que o descontrole sobre as armas é nocivo até hoje para a segurança pública.
Quem defende a revogação do estatuto diz ainda que o controle atual sobre as armas é falho. Mas como explicar que o novo projeto de lei apresentado passa a permitir que civis andem armados nas ruas, que mais de 600 munições possam ser compradas anualmente e por arma, que se reduza a idade mínima para o porte de armas para 21 anos e que se reduzam penas de crimes como o “comercio ilegal de arma de fogo”?
Tudo indica que quem quer a revogação do estatuto quer mesmo é que se amplie o mercado da poderosa indústria de armas no Brasil, ainda que à custa de mais mortes.
Por fim, há o grande argumento do direito à defesa. Ninguém é contra o direito individual das pessoas se defenderem. O ponto é que as armas não defendem. Elas matam. É possível contar nos dedos os casos em que as armas foram usadas com sucesso para a defesa pessoal.
Em todos os outros casos, elas foram parar nas mãos dos criminosos ou, pior, usadas para encerrar, de forma fatal, discussões banais em conflitos entre pessoas que se conheciam.
Estamos diante de interesses pouco claros, que buscam a revogação da lei que estabelece o controle de armas no país. Ou a sociedade brasileira se posiciona diante deste fato, ou corremos o risco de voltar à década de 90, com pessoas armadas em cada esquina, acreditando em sua defesa, mas sem capacidade para usá-las.
Ivan Marques e
Carolina Ricardo