Líder e liderado
Falastrão cala Bolsonaro e cola Congresso ao STF
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emDitado antigo e muito difundido entre os que buscam um lugar ao sol, cobra que não anda não engole sapo nem sempre é o melhor caminho para calouros. Às vezes, nem para escaldados veteranos. Quando o bicho pega, os mais velhos entendem que o melhor caminho é fechar a boca para não correrem o risco de engolir moscas felpudas. Em outras palavras, em determinadas situações o melhor caminho é a toca, o esconderijo. Criados com vó, leite de cabra e sopinha de feijão, os emergentes bolsonaristas não conhecem o outro lado da moeda. Por isso, insistem com firulas, besteróis e palhaçadas antidemocráticas para agradar o chefe, embora tenham certeza de que, além do risco da prisão e do achincalhamento, mergulham o país na mais sublime escuridão e cada vez mais afastam o chefe da reeleição.
Talvez eles finjam não conhecer. É o caso do ex-trocador de ônibus e ex-policial militar no Rio de Janeiro com ficha questionável. O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) preferiu arquivar conselhos e fez exatamente o contrário do que é recomendado a neófitos, não importando o segmento, mas notadamente na política. Provavelmente para agradar o líder, ele decidiu comprar briga com a Suprema Corte do Brasil. Não é para qualquer um, muito menos para um parlamentar de primeiro mandato, do baixíssimo clero e que, antes de se tornar célebre na cadeia, apareceu na mídia quebrando uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco. Muito pouco para alguém que se elegeu para uma casa que representa o povo. Resultado: desagradou o chefe, cacifou o Centrão, calou militares falastrões, “aproximou” Congresso e Supremo e pode ser cassado.
Mutatis mutandis, o Supremo Tribunal e todo Judiciário julgam conforme a legislação existente. Essas leis são produzidas e aprovadas pelo colegiado do Poder Legislativo, ou seja, por suas excelências deputados e senadores. O problema é que a maioria dos legisladores tem rabo preso com a Justiça. Por isso, aprovam justamente as leis que eventual ou normalmente os livram das barras dos tribunais. Não estou afirmando que magistrados acertam sempre e nunca destoam das normas legais. Pelo contrário. Maçãs podres são acháveis em qualquer setor profissional. Portanto, no Judiciário um ou outro pode se corromper. Como dizia – e diz – o ministro aposentado Carlos Mário da Silva Velloso, “os juízes não são anjos; os homens, não são anjos”.
Ao assumir a presidência do STF, em maio de 1999, Velloso enfatizou que o Poder Judiciário tem problemas sérios. “O maior deles é a lentidão, que, às vezes, leva à ineficácia”. Mudou pouca coisa de lá para cá. Para mudar esse quadro, antes de peitar a instituição, destratar, xingar e ameaçar ministros, o deputado bem que poderia ter feito jus aos votos que recebeu apresentando um projeto capaz de amenizar as conhecidas mazelas da Justiça. A principal delas é a enorme facilidade de recursos nas três instâncias do Poder, o que enriquece advogados e impede punição – em alguns casos prisão – para quem age em desacordo com a lei. Por isso, até briga de galo e ordem de despejo chegam absurdamente ao Supremo.
Um dos grandes usuários desse facilitador é o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), cujos advogados há meses dificultam o andamento do processo das rachadinhas. Isso porque ele jura inocência. Em um momento complicado para a República, infelizmente o deputado bolsonarista optou pela irresponsabilidade e pela necessidade de aparecer. Se Daniel Silveira tivesse tutano em lugar de músculos, o bom senso e a sensatez certamente teriam falado mais alto. Se houve algo de bom no abobalhado discurso do deputado governista nas redes sociais, nem mesmo o mais radical dos bolsominions captou. Acabou preso, vai responder processo, possivelmente terá de usar tornozeleira eletrônica e ainda corre o risco de perder o mandato no Conselho de Ética da Câmara.
Claro que, para a maioria dos militantes do presidente da República, tudo isso tem a conotação de troféus. Por exemplo, Renan Silva Sena perdeu o emprego, a reputação e o endereço, mas virou ídolo para a plebe ignara que mantém Jair Bolsonaro num pedestal de pedra só para mitos. Renan é aquele que, em junho do ano passado, foi preso após hostilizar enfermeiras durante protesto silencioso na Praça dos Três Poderes, ameaçar o governador Ibaneis Rocha e liderar um ataque com fogos de artifício contra a Corte Suprema. Idolatria à parte, a Câmara terá de se posicionar com seriedade. Alforriar Daniel Silveira, que extrapolou o alcance da imunidade, é possível, mas representará um tiro no pé ou no coração dos parlamentares que optarem pela defesa do indefensável deputado.
O episódio ainda deve render muitos capítulos na sombria, tenebrosa e atolada política brasileira. De qualquer maneira, serviu para mostrar que, mesmo no Brasil de Bolsonaro, as palhaçadas têm limites. Também contribuiu para frear a verborragia de generais e para sedimentar a aproximação concreta entre as cúpulas do Congresso e do Judiciário. Entretanto, repito que os tresloucados militantes sequer perceberam que, mesmo contra a vontade, o capitão optou pelo silêncio. É a velha história da boca fechada. Seguindo recomendações sabe-se lá de quem (supostamente das lideranças do Centrão), o presidente deixou claro que a prisão de Daniel Silveira não é problema do governo. Caberá aos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a solução do futuro político do deputado. Se é que haverá futuro. Melhor do que tudo foi entender a “importância” desse grupo no atual governo.
Ao aconselhar Jair Bolsonaro a recolher a metralhadora, o Centrão acabou pavimentando a aliança, fazendo jus à manobra orçamentária do Planalto e garantindo o despejo de 3,9 bilhões de reais em obras apadrinhadas por aliados da Presidência da República. Amplamente divulgada, a operação ignorou parecer técnico do Tribunal de Contas da União (TCU) e a oposição do ministro da Economia, Paulo Guedes. Resta saber até quando irão durar o silêncio presidencial e o casamento com o Centrão. Como informação àqueles que teimam em brincar de governar e aos que insistem com a brincadeira de desgoverno e de xingamentos a ministros do STF, se o país perder o rumo, todo mundo vai perder, inclusive vocês que querem fazer do Brasil uma nação de chacotas. Já somamos mais de 10 milhões de infectados e 243.457 mortos. Quero ficar longe dessa estatística. Xô….Covid.
*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978