Ex-amante inveterado das corridas de de Fórmula-1, perdi o interesse exatamente quando eu e o mundo percebemos que a vitória não dependia exclusivamente do brilhantismo ou do braço desse ou daquele condutor, tampouco da virtuose do equipamento à disposição. Aliado à conveniência econômica da escuderia, a ausência de caráter de determinados pilotos começou a ficar cristalina quando, sem qualquer pudor, Michael Schumacher passou a usar de todos os recursos ilegais para ganhar uma etapa ou o campeonato. Não era incomum ele atropelar propositadamente o carro de um colega para forçar uma nova largada ou tentar luz vermelha.
Isto ocorreu, por exemplo, em 1994, no GP de San Marino, quando, deliberadamente, bateu em Damon Hill e ficou com o título. A temporada ficou marcada pelas mortes do austríaco Roland Ratzenberger e do tricampeão brasileiro Ayrton Senna. Perdão pelo rodeio, pelo bordejo no tempo, mas a viagem serviu para repetir um frase escrita em recente narrativa. Quem não sabe perder, não merece ganhar. Muito pior é quando o cidadão que se utiliza de bravatas ou mentiras para vencer uma disputa qualquer se esquece do que disse. É o caso do presidente da República, ora candidato à reeleição.
Na verdade, candidato desde a posse, em 1º de janeiro de 2019. O poder virou obsessão. Por isso, o estímulo palaciano ao vale tudo. Isto quer dizer que, considerando sua imaginária mente de divindade egípcia, está desenhado que a vitória é uma questão de honra, não importando a forma, o custo ou quantas vidas serão perdidas. Mentir, trapacear, falsear nas palavras ou inventar lorotas para se manter poderoso é a grande arma de quem imagina a demagogia como virtude. Para esses embusteiros, o sonho maior é seguir a máxima do dramaturgo, jornalista e aforista austríaco Karl Kraus: “O segredo do demagogo é de se fazer passar por tão estúpido quanto sua plateia, para que esta imagine ser tão esperta quanto ele”.
Nada mais verdadeiro para ilustrar o perfil forjado em barro do mito de uma parte cada vez menor do eleitorado nacional. Como, na mesma proporção das pernas curtas das mentiras, o escândalo tem asas, vale lembrar um vídeo recente do presidente da República, no qual ele diz exatamente o que pensa a respeito da distribuição de auxílios financeiros para os menos aquinhoados. E o que pensa sua excelência? Literalmente que os inocentes úteis são todos idiotas. Está gravado e não há hipótese de montagem ou edição sacana. Ouvi, repassei, mas não tenho como precisar a data do vídeo. Na verdade, nem importa.
Importante é que, desde a campanha vitoriosa em 2018, o mito sempre esculhambou os programas sociais aos quais recorre agora para tentar se manter como ocupante da principal cadeira da Praça dos 3 Poderes. Lá atrás, ainda candidato, ele afirmou, com todas as letras, que o voto do idiota era comprado com o Bolsa Família. Disse mais: que o voto dos idiotas poderia a mudar de lado. Segundo ele, o convencimento não seria difícil. Pois bem, o Bolsa Família agora é denominado de Auxílio Brasil. Faltando 80 dias para a eleição, como serão tratados os idiotas? Infelizmente, como idiotas, como ele (o presidente) sempre tratou o povo humilde. Realmente o tempo é o responsável por mostrar à sociedade, aqui apelidada de eleitor, quem é quem.
Jair Messias, apoiadores e a casta acima de qualquer suspeita do Congresso acusaram – e acusam – Luiz Inácio de se utilizar dos benefícios repassados aos mais pobres para se eleger. E agora, José? Por que ages do mesmo modo? Por meio do pacote de bondades anunciado e aprovado pelo mesmo Congresso, a divindade do Cerrado pensa em recomprar os votos que perdeu. Possível, mas deveras improvável. Quanto à mentira, relaxe povo do bem, pois os falsos e mentirosos vão caindo um por um. É a lei da vida. Haverá gritaria, xingamentos e até ameaças de golpe. Nada de anormal. Afinal, as únicas pessoas que se enfurecem ao enfrentar a verdade são aquelas que vivem a mentira.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978