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Família unida se divorcia com partida da matriarca

Vovó, nascida em Olinda, mas soteropolitana de coração, era uma figura! Sempre cheia de sorrisos e ótimas histórias na ponta da língua. E, se não se lembrava de uma, inventava e ficava ainda melhor. Meus irmãos, primos e eu arregalávamos os olhos e apontávamos as orelhas em sua direção e, logo após o fim, minha mente infantil divagava sobre cada trecho.

— Vovó, os bolsos do paletó do seu pai eram mesmo cheios de caramelos?

— É verdade, Pedrinho. Papai sempre voltava do trabalho com os bolsos bem cheios de caramelos. Mamãe brigava com ele, mas depois até ela entrava na brincadeira e pegava alguns para comer depois da janta. E todos ríamos.

Na escola, eu contava pros meus amigos que meu bisavô possuía um terno mágico, de onde saíam balas, bombons e, em dia de muito calor, até picolé para que todos pudessem se refrescar. Até hoje não sei se vovó havia mesmo nos contado dessa forma ou, então, sonhei com ela me dizendo isso. Meus colegas ficavam maravilhados com aquelas histórias recontadas e, nesses momentos, eu me sentia importante que nem vovó.

Mas não pense você que minha avó era apenas uma contadora de casos. Não, senhor! Era a melhor cozinheira do mundo. Isso, aliás, foi motivo de discórdia quando ela recebeu a visita do seu único irmão ainda vivo, que, apesar de ser meu tio-bisavô, costumava chamá-lo de tio Chico.

E lá estava quase toda a família reunida. Meu avô sentado em uma das cabeceiras da mesa, tio Chico na outra. Vovó estava próxima ao marido, enquanto eu me sentava justamente na primeira cadeira à esquerda do seu irmão. Tio Chico falava dos tempos de menino, quando começou a falar como é que minha bisavó era tão boa com os filhos, além de excelente cozinheira, que sabia fazer o melhor espaguete do mundo.

— Mas o da vovó é muito melhor, né, tio Chico?

— Pedrinho, sua avó sabe lá cozinhar? Você precisava provar a comida da minha mãe!

A minha vontade era de dar um belo chute na canela do tio Chico. Não fiz isso, mas durante muitos anos acabei ficando com birra dele. Como é que ele foi capaz de falar aquilo da própria irmã? A mágoa, apesar de sanada após eu entrar na faculdade, não me deixou desfrutar da companhia do tio Chico por longo tempo.

Hoje, perto de completar 50 anos, sinto saudade daqueles tempos. Até meus amigos mais próximos, que de vez em quando passavam os finais de semana na casa da minha avó, falam que ela era como amálgama. É verdade, vovó conseguia unir todos os parentes como ninguém. E, desde que ela se foi no ano passado, a família se divorciou.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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