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Fantasia vira realidade no gesto de engolir semente

Tertuliano tinha compulsão por tangerina, que conhecia por bergamota, mas preferia chamar de berga. De tantas que devorava, a mãe profetizou: “Daqui a pouco, vai nascer um pé de bergamota dentro da sua barriga!” Nascer como, se o guri tomava cuidado para não engolir as sementes?

O menino se fazia de desentendido e, sempre que era época da fruta, tratava logo de correr para o quintal e se encostar no tronco da tangerineira. Esquecia-se das brincadeiras, esquecia-se dos deveres de casa, esquecia-se de almoçar, esquecia-se da vida, não se lembrava de nada. Empanturrava-se de tanta berga e só entrava quando a mãe, aos berros, o mandava entrar: “Tertuliano, vá tomar banho, pois já tá mais que na hora de guri ir dormir!”

A contragosto, o moleque fazia aquela careta, mas, para evitar chineladas, que certamente viriam, tratava logo de se levantar e apressar o passo. Vez ou outra, ainda estava com um gomo na boca. Pois foi justamente numa dessas ocasiões que aconteceu aquilo que o guloso mais temia. Sim, isso mesmo! O menino engoliu uma semente logo após a mãe lhe aplicar um beliscão na orelha, tudo por conta daquela gulodice.

Pobre Tertuliano, com as duas mãozinhas encardidas em volta do pescoço, ainda tentou impedir que aquela semente descesse para o estômago. Em vão, pois a danadinha desceu toda faceira. Pra quê? O garoto arregalou os olhos e, choroso, foi tomar banho antes de se deitar.

Lá estava o guri no seu quarto. Sozinho no escuro, não conseguia pregar os olhos e, quando tentava fazê-lo, logo surgia a profecia da mãe: “Daqui a pouco, vai nascer um pé de bergamota dentro da sua barriga!” E agora? Como é que o guri iria fazer para se livrar daquele problema? De tanto pensar, acabou adormecendo sem se dar conta.

Tertuliano se viu despertado pela mãe na manhã seguinte. A mulher, com cara de mãe enraivecida, tratou logo de puxar a cria pela orelha. Ela tomou um baita susto, pois percebeu que dali saíam folhas presas a um galho. Olhou a outra e, então, constatou que também apresentava um outro galho repleto de folhas. Mãe e filho se encararam.

— Tertuliano, por acaso você engoliu alguma semente?

— Foi só umazinha.

— Mas eu te falei pra não engolir!

— Foi sem querer, mamãe.

Diante daquela situação, a mulher não teve escolha. Foi logo chamar o marido e lhe contou o ocorrido. Não havia o que fazer, a não ser tomar as devidas providências.

O homem pegou a enxada e cavou um buracão, o suficiente para que o filho ficasse em pé, somente com a cabeça para fora. Cobriu-o de terra. A mãe, então, pegou um balde cheio d’água e despejou sobre a cabeça do filho. Tertuliano ainda reclamou que a água estava fria, mas acabou aceitando a própria sina de bom grado, pois sentiu que seus braços e pernas já estavam se transformando em raízes.

Como a estação de bergamota ainda vigorava, logo nasceram vários frutos, que caíram próximos à boca de Tertuliano. Ele, então, gritava para a mãe, que corria para bem perto do filho. A mulher descascava uma a uma aquelas bergas e, cuidadosamente, colocava os gomos nos lábios do menino. Entretanto, precavida que era, alertava o filho: “Tertuliano, por favor, não vá engolir mais nenhuma semente!”

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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