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O importante é ser feliz

Farinha da mesma mandioca, somos iguais, cortando à esquerda ou à direita

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Produção Editoria de Artes/IA

Levitando democrática e hipotética e sugestivamente pela Lagoa da Foice Amolada, eis que, após dar de cara com dois tamanduás do tipo bandeira verde amarela, me enrosco em uma inusitada passeata ecumênica. Menos pelo sentido religioso e mais pelos aparatos suásticos e avermelhados que o povo de lá carregava, inicialmente me senti em casa. No mínimo, apadrinhado pela turma que seguia à direita da suposta procissão sacerdotal-evangélica-umbandista gritando palavras de ordem contra a ditadura e pela paz no mundo dos mortos. Mais à esquerda do grupo do bumba-meu-boi, vislumbrei um andor com a figura de São Jorge fantasiado de patriota raiz.

Com a acidez peculiar de quem é contra aqueles que são a favor, alguém me cutucou nas orelhas e cantou a pedra: Aqui também há polarização de santos. São Jorge, o guerreiro, agora é nosso, todo nosso. Sem entender o que se assucedia, matutei silenciosamente e decidi seguir o cortejo, cuja ideologia – se é que tinha – ainda não havia aflorado. Acompanhei porque, ao longo do séquito, fora as diretrizes regulamentares e as prescritas palavras de ordem, não vi nada que pudesse macular minha conduta de fiel seguidor do cristianismo, da democracia e do catecismo dos machos confiantes.

Fecho com o perseguido seguimento porque, para mim, está bem claro que a polarização realmente tem limites. Na hora H, não há hipótese de se perguntar ao interlocutor do cangote arrepiado se ele é 13, 17, 22, 24 ou nenhuma das alternativas acima. Na hora X, todos estão para o que der e vier, principalmente para o que vier e der. O importante é ser feliz. Ou seja, na fictícia procissão ecumênica são todos farinha da mesma mandioca. Conhecendo as manhas e as manhãs, sigo em frente sem nenhum tipo de preocupação com as línguas felinas e ferinas. Tudo em nome do amor infinito e de todas as formas. E quem somos nós para julgar supostos erros alheios ou para determinar o que é melhor para o outro.

Para poder sorrir, faço qualquer sacrifício pela paz, inclusive pedir ao santo irmão de todas as horas para que, sob as bênçãos de Deus, estenda seu escudo e suas poderosas armas em defesa daqueles que, deslumbrados com as patas de seu fiel ginete, optam pela humildade. É claro que, no caso narrado, mesmo utópico, a humildade se mostra com temporal, temática e exclusiva dos que se mantêm escondidos ou enrolados nas já multicoloridas bandeiras, com destaque para o vermelho, o verde e o azul anil. E daí? De homem para homem, continuarei seguindo o périplo da tchurma até que possam me acusar de espião. Graças a São Jorge, meu protetor de frente e, particularmente das costas, jamais serei porque defendo – e defenderei sempre – o direito de ser feliz.

Em paz e, sobretudo em nome do amor livre, opto e optarei até o fim pela paz de se viver em paz. Embora não seja entendido, faz tempo que assumi sem medos e pavores meu lado duvidoso, aquele em que, às vezes, a gente acorda achando que tem dupla personalidade. Eu tenho, mas felizmente minha segunda é igual a primeira: macho até de cócoras. E desafio para um duelo quem ousar me classificar como fruta de teor mais ácido, algo próximo do limão ou do maracujá. Aliás, devo registrar que sou fã das caipirinhas, mas declino do maracujá. Na verdade, até hoje não degustei sequer uma semente de maraca. O resto já. Não sei se me faço entender, mas, como diz o ditado, é o hábito que faz o monge.

Como sou habitué do chantili perfumado, estou certo de que não corro risco algum de derramar o leite condensado em vãos desconhecidos. Criado mamando nas tetas das vacas libertas, tive certeza de que jamais cortaria dos dois lados quando, lá pelos idos da quinta série, me vi diante de uma professoral e atroz dúvida: escrever a respeito do que me pediram ou relativamente sobre o que havia entendido. A redação era sobre as pirâmides do Egito, mas escrevi sobre as piranhas do agito. Tomei zero, mas fiz meu comercial. Minha moral da história é que somos todos iguais, não importa de que lado estejamos, tampouco de que lado cortamos. E viva a liberdade de ser quem quisermos ser. E viva 2025.

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*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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