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Fascismo de camisa verde se espalha no Brasil como praga

Uma conversa com os autores do livro “O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo”, que faz um histórico do fascismo brasileiro desde a sua origem, na década de 1930, transformou-se em reportagem. Jornalistas e historiadores apontam uma parte da história que recrudesce com força .

No início deste mês, completou dez meses que Eduardo Fauzi foi preso na Rússia, a pedido da Interpol, após ter sido identificado como um dos cinco autores do atentado ao prédio da produtora do Porta dos Fundos em 24 de dezembro de 2019, na véspera do Natal. O ataque, com coquetéis molotov, teria sido motivado pelo especial natalino lançado dias antes na Netflix, com um enredo que sugere que Jesus Cristo seria homossexual, o que revoltou religiosos e conservadores no Brasil.

Logo após o atentado, por meio de um vídeo, um grupo autodenominado Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Grande Família Integralista Brasileira reivindicou a autoria do ataque. Todavia, dias depois, o grupo integralista negou qualquer envolvimento.

O fato é que Eduardo Fauzi se assume como um neointegralista e foi para entender melhor as muitas vidas do movimento integralista e a história do fascismo no Brasil que a Sputnik Brasil conversou com Leandro Pereira Gonçalves e o Odilon Caldeira Neto, autores do livro “O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo”.

Fascismo à brasileira
O integralismo brasileiro surge nos anos de 1930 como um movimento fascista clássico, explicam os escritores. O escritor e jornalista Plínio Salgado fica fascinado com a viagem que faz à Itália e o fascismo italiano inspira Salgado a tentar algo parecido no Brasil.

“Oficialmente, o integralismo é fundado em 7 de outubro de 1932 em São Paulo e vem de um histórico de relações de intelectuais da política brasileira com uma política internacional. Inclusive, nosso livro começa justamente mostrando o encontro do Plínio Salgado com [o ditador italiano Benito] Mussolini, um momento em que ele [Plínio] fica realmente fascinado com o que viu, não só Mussolini, mas com o que ele viu na Itália, no final dos anos 1920, início dos anos 1930”, comenta Leandro Gonçalves.

Gonçalves acrescenta que é no fascismo italiano que Salgado vai buscar a forte base cristã do integralismo. “Vai inclusive buscar canalizar para a ação política determinadas angústias da sociedade, determinados anseios principalmente de setores médios da sociedade […]. O pensamento do Integralismo é associado ao pensamento de Plínio Salgado e o que ele quer é romper com a oligarquia da Primeira República e colocar o intelectual como político.”

O integralismo foi o principal movimento fascista fora da Europa. Muito bem organizado, com boas relações internacionais, tinha uniformes: camisas verdes; saudação: anauê; e slogan: Deus, pátria e família.

“Existia todo um ritual simbólico dentro do movimento, de levar para a sociedade o movimento, colocar o integralismo na rua, fazer manifestações e, principalmente, fazer com que o integralismo passasse a fazer parte do dia a dia do militante. Tanto é que os integralistas vão ter cerimônias de casamento integralista, a criança é batizada dentro de uma cerimônia integralista, há ritual fúnebre integralista”, destaca Leandro Gonçalves.

Fascismo multifacetado
O movimento integralista possui muitas fases. Criado em 1932, a sua existência legal acaba em 1937, com a instauração do Estado Novo. Mas o integralismo não deixa de existir e, mesmo, com a derrota do fascismo em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o movimento segue tentando se adaptar à nova realidade brasileira.

“Quando morre um pouco essa ideia de Estado fascista, os fascistas não vão parar de atuar […]. O fascismo não vai pensar apenas e tão exclusivamente em torno de milícias, de corporativismo como forma de organização da economia e assim por diante. À medida que o fascismo perde um pouco aquela capacidade aglutinante na primeira metade do século XX, ele tem que se relacionar com outras tendências do pensamento de direita e isso é expresso um pouco na dinâmica política do próprio integralismo”, comenta Odilon Caldeira Neto.

Odilon recorda que Plínio Salgado vai a Portugal e acaba sendo influenciado pelo Salazarismo, pelo conceito de democracia-cristã, e isso acaba lhe dando alguns referenciais para estruturar a forma de atuação dos integralistas após a era do fascismo.

“O partido de representação popular era uma roupagem integralista para uma democracia. O fascismo, a ideia fascista, consegue estabelecer elementos, muitas vezes mais estratégicos do que efetivamente filosóficos, de mutações, reformulações e adequações em contextos democráticos. Então o partido de representação popular que atua durante a década de 1940, 1950 e 1960 adquire contornos democráticos”, explica o escritor.

E o movimento fascista brasileiro teve que sofrer um novo processo de adaptação com o golpe militar de 1964, que inclusive teve participação de integralistas. Odilon afirma que o imaginário anticomunista no Brasil teve diversas frentes, com a Igreja Católica, os militares, mas seria no integralismo que o sentimento anticomunista ganharia uma conotação ainda mais radical e conspiracionista, ativando diferentes formas de mobilização.

“O processo de adaptação durante o regime militar preconiza também uma certa diversidade dos grupos integralistas. De um lado há Plínio Salgado e outras figuras integralistas que se filiam à Arena [partido do regime militar] e atuam legislativamente, mas há também toda uma sorte de intelectuais e militantes integralistas que vão pensar outras formas de organização que vão ladear a ditadura, que vão tentar imprimir marcas integralistas à ditadura. O próprio Plínio Salgado tentou isso.”

O escritor, todavia, frisa que durante o regime militar o integralismo perde o poder do ponto de vista institucional, não sendo mais uma organização central na política institucional brasileira. E a morte de Plínio Salgado, em 1975, é outra grande ferida no movimento.

Neointegralismo
Os autores ressaltam que o integralismo não era apenas Plínio Salgado, mas reconhecem que era ele quem definia quais eram as possibilidade e formas de organização que a corrente poderia ter. Com a redemocratização do Brasil, a partir de 1985, começam a surgir vários pequenos movimentos neointegralistas.

“[Com o fim da ditadura], o campo da extrema direita, da direita radical, do discurso ultraconservador, antidemocrático e assim por diante está em disputa. O neointegralismo é a ausência de Plínio Salgado e também a disputa sobre as [novas] formas de organização. Eles buscam criar partidos neointegralistas ao longo da redemocratização. Se relacionam com grupos dos mais radicais da extrema direita, inclusive com grupelhos neonazistas […], com grupos monárquicos […]. Não existe apenas uma via neointegralista e por isso mesmo que existem ainda na atualidade vários grupelhos, alguns mais conservadores, alguns mais católicos, outros mais radicais, outros mais neonazistas e outros que atuam inclusive com atos de violência contra entidades de esquerda, contra centros estudantis ou mesmo produtoras de filmes de humor”, afirma Odilon.

Leandro Gonçalves afirma que o neointegralismo tem atualmente três grandes grupos: Frente Integralista Brasileira (FIB), Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B) e a Associação Cívica Cultural Arcy Lopes Estrella (ACCALE).

“Em 2004, os neointegralistas se reúnem em São Paulo para tentar promover uma unidade. Esse encontro cria oficialmente os movimentos neointegralistas dentro de uma ordem institucional. A FIB é interessante porque é aquela que busca acordos com partidos políticos, dialogava com o PRONA, dialogou com o Fidelix, de onde saíram as pessoas que se filiaram ao PTB recentemente, ela busca interpretar o integralismo hoje como se fosse o integralismo da década de 1930. O MIL-B, tem um grupo menor de pessoas e que é liderado pelo policial federal rodoviário aposentado Cássio Guilherme Reis Silveira, busca uma nova visão do integralismo na realidade atual, ou seja, busca adaptar o integralismo na sociedade contemporânea. E, em 2017, é criada a ACCALE, que é uma das bases centrais do Eduardo Fauzi.”

Gonçalves diz que militantes neointegralistas saíram candidatos por partidos como o PRONA, de Enéas Carneiro, o PRTB, do Levy Fidelix, e o PSDB.

“Com a morte do Fidelix, o PTRB acabou sendo reduzido em algumas ações partidárias porque o Fidelix era a ponte dos integralistas no sentido democrático. Mas onde eles estão apostando suas fichas hoje? No PTB, porque no PTB existe hoje uma figura que adotou uma face radical, que é o Roberto Jefferson. Dias atrás ele recebeu um grupo de neointegralistas em uma solenidade para filiação desses neointegralistas, que serão possivelmente candidatos a algum cargo nas próximas eleições”, comenta Gonçalves.

Odilon frisa que as bandeiras do movimento não mudaram muito. Os neointegralistas defendem os valores ultraconservadores e um modelo de família e de sociedade fundado na primazia do lema integralista “Deus, pátria e família”.

“Eu diria que a agenda de costumes é o elemento de maior profusão, organização e articulação desses grupos e é a partir desses elementos que eles conseguem encontrar alguma espécie de solidariedade com outros grupos da direita brasileira”, garante Odilon, acrescentando que os neointegralistas orbitam e estão no mesmo habitat dos grupos bolsonaristas.

Há, inclusive, neointegralistas ocupando postos de governo, como no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, afirma Odilon.

Integralismo e violência
Leandro Gonçalves recorda que essa ascensão até o governo bolsonarista começou no início da década, quando os neointegralistas começaram a sair para as ruas.

“O movimento neointegralista hoje é uma miscelânea […]. Com a Internet, o neointegralismo passou a ser um movimento muito pautado por rede social, mas aos poucos passa a existir uma modificação de atuação. Eles não estão apenas dentro de casa no computador, eles vão às ruas. E por que eles vão as ruas? Porque existe um espaço de aceitação da radicalização. A política brasileira pós-2013 promove um espaço em que a direita pode ir para as ruas e será aplaudida em muitos momentos”, afirma o escritor.

E em muitos desses momentos existe outro elemento muito presente no integralismo, a violência.

“O fascismo, por definição, tem a violência como um elemento político […]. O fascismo opera no sentido de uma violência que existe em diversas instâncias. Ela pode ser escrita, pode ser verbal e assim por diante. Essa foi uma característica do integralismo, embora não seja tão radical e intensamente violento como foi o discurso do nacional-socialismo, mas isso não quer dizer que o integralismo não tenha sido violento. Atos de violência foram características marcantes dentro da experiência da Ação Integralista Brasileira. Em diversos momentos, diversos integralistas entraram em confronto com adversários ou inimigos políticos”, explica Odilon.

Leandro encerra recordando que, após o atentado à produtora Porta dos Fundos, paredes de prédios públicos amanheceram, por vários dias seguidos, com as pichações “Fauzi Herói”, “Viva Fauzi” e “Fauzi Livre”. “Existe a busca desse capital político. A associação de ‘Fauzi Herói’ com o ‘Vírus Chinês’ foi colocada justamente no consulado da China no Rio de Janeiro logo no início da pandemia. São vários espaços, o bolsonarismo é um espaço aberto com várias possibilidades de análises de reflexões, então resta acompanhar e ao mesmo tempo torcer”, conclui o escritor.

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