Ao mesmo tempo em que torço para que o país retome o caminho do crescimento, da prosperidade, da segurança jurídica e da consolidação da democracia, me associo às forças progressistas e independentes desse ou daquele governo que temem a repetição da gestão de uma nota só. E não é uma nota qualquer. Depois de um longo período de inércia e de submersão socioeconômica, o país parecia marchar celeremente para a total recuperação de uma sociedade com valores igualitários e verdadeiramente dentro das quatro linhas. Ainda não desandou, mas, caso a viola continue sendo dedilhada somente em Si, dificilmente a banda chamada Novo Governo conseguirá sair da mesmice derrotada em outubro.
Após o marasmo interno e externo dos dois últimos comandantes da nau chamada Brasil, a nebulosidade se dissipou, o mar serenou, a ressaca recuou, as ondas viraram marolinhas e tudo indicava que daria praia com sol pleno. Bem próximo dos oito meses do início das anunciadas mudanças, a sombra da fertilidade segmentada e personalizada volta a incomodar a maioria dos brasileiros que optou por dias melhores, sem paternalismos e, sobretudo, com atenção máxima ao dispositivo constitucional que estabelece direitos iguais para todos. Pelo menos é o que determina o artigo 5º. da Constituição de 1988. Será que voltamos à estaca zero? Será mais do mesmo? Tomara que não!
Claramente os avanços políticos e sociais são outros. No entanto, a atenção dispensada a determinados setores lembra bem de perto a administração daquele presidente que, de forma deliberada e tirânica, privilegiava parlamentares, amigos blogueiros, jornais e emissoras de rádio e televisão cadastrados como parceiros de todas as horas. Apelidado de emendas ou verbas publicitárias, o privilégio ficou conhecido como fórmula mágica para sedar opositores e secar os cofres dos que ousavam fazer oposição a quem sequer merecia o básico adjetivo de presidente da República. A era Jair Bolsonaro foi de longe a mais trágica para a tão sonhada democratização da mídia.
Foram quatro anos fascistas que distanciaram o país da comunicação pública, desprezaram a comunicação comunitária e deixaram à míngua mídias independentes e que, por razões diversas, não se alinhavam ao despotismo, tampouco ao golpismo pregado desde o início de 2018. Apenas para reavivar memórias esquecidas, os grupos Jovem Pan, SBT, Record, Band e Rede TV eram as meninas dos olhos do timoneiro sem bússola. Entre outros menos famosos, Ratinho e Datena tinham a preferência de todos os figurões do governo. Sem exceção, encheram a burra de dinheiro. E ganharam porque alguém decidiu privilegiá-los, em detrimento da informação profissional e do jornalismo sério.
Nesse período, a sociedade foi informada exclusivamente por meio de lives dirigidas ou por jornalistas chapa branca e formalmente fechados com a manutenção do poder a qualquer custo. O resultado foi o que se viu. Recuperando o samba de uma nota só, o tempo passou, mas a toada voltou a lembrar uma marcha fúnebre. Dados da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República indicam que, em 2023, a TV Globo foi a destinatária de mais do que o dobro da soma de recursos das concorrentes. Como o pau que dá em Chico também dá em Francisco, não é justo falar em democracia e tiranizar a propaganda oficial. Tudo bem que a Vênus Platinada é líder de audiência e que sempre fez jornalismo, apesar das seguidas críticas de Jair Bolsonaro.
Entretanto, de acordo com entendimento do próprio presidente, o sol tem de brilhar para todos. Em pouco mais de sete meses do terceiro mandato de Luiz Inácio, o grupo dos Marinho abocanhou algo próximo dos 60% da verba destinada a publicidade governamental, contra 13% da Record e 12% do SBT. Com água no pescoço, a jovem Pan recebeu o equivalente a zero. Nada contra a recuperação da TV Globo como rainha dos lares brasileiros, mas tudo a favor dos jornais, rádios e sites que, durante o governo Bolsonaro, não tiveram medo de mostrar a cara, muito menos de se posicionar política e ideologicamente. Todavia, continuam comendo poeira no mar de tubarões da comunicação nacional. Embora longe da medição diária dos institutos de pesquisa, essas empresas também prezam pelo jornalismo informativo. A diferença é que criticam quando necessário e não precisam bajular ou personalizar. Que a balança musical seja a mesma para todos.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978