Povo utópico
Fazer o L na desgraça dos baianos vem em dobro para gaúchos
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emSou de uma família de pardos metidos a brancos, daqueles que não se limitavam – e não se limitam – ao sim senhor, não senhor. Não tenho vocação para manter no coração rubro-negro a depravada certeza da dificuldade em libertar um povo que prefere a escravidão mental, física, emocional e até financeira. Silas Malafaia e congêneres que o digam. Se a pizza que vem de moto demora, imagino que venha de jumento qualquer mudança na cabeça desse povo que vê os diferentes como comunistas.
Não adianta informá-los que o ditado correto é “Corro de burro quando foge” e não “Cor de burro quando foge”. Asseguro a quem de direito que não é do meu agrado fazer citações a seres irracionais quando falo de política ou de políticos. Me preocupo com a reação dos pobres bichinhos, principalmente da do macaco, tido e havido como um animal demasiadamente simpático para que o homem descenda dele. Que bom que existe o direito de defesa.
A decorrência disso é o enriquecimento dos escritórios de advocacia especializados em defender corruptos nas esferas superiores do Poder Judiciário, notadamente no Supremo Tribunal Federal. Para não me expor a nenhum tipo de risco dos morcegos chupadores, sobretudo dos louvadores do além, corro antes mesmo que o burro fuja. Melhor ficar longe daqueles que prazerosamente estragam qualquer situação festiva. São os ócios do ofício (não os ossos do ofício) de quem é obrigado a acompanhar o lado ruim da política e dos metidos a políticos.
O lado bom é a facilidade que temos para escrever diariamente a respeito das fraquezas, das ruindades e das leviandades desse povo utópico, mas extremamente nocivo ao país e ao povo. Mais difícil do que resistir à lavagem cerebral dos pastores evangélicos é livrar do mito os que não conseguem viver sem uma bruxa ou sem um duende para chamar de seu. O que fazer? Torcer para que o mundo não se acabe em tempestades como a que atingiu o Rio Grande do Sul, estado governado por um desses facilitadores da utopia patriótica.
Ironicamente quis o destino que ele, o bonitinho governador Eduardo Leite, fosse ajudado por um governante que ele não respeita, despreza e critica até de costas. Os idolatrados, como o senador gaúcho Hamilton Mourão, passaram longe das mazelas dos Pampas. Talvez estivesse no Rio de Janeiro, onde a velharia esculpida em Carrara (não cuspida e escarrada) se realiza sob o calôr escaldante da cidade. Coloquei erradamente o circunflexo no substantivo abstrato só para lembrar que, para os marchadores embandeirados da Avenida Atlântica, no verão o calor carioca se acentua. Coisas de um povo que se acha culto até na idolatria patética de Judas.
É demais para minha cabeça, mas o que dizer daqueles que depilam a quinta roda com sal grosso? Salguem também a língua, a alma e os dedos, tornando-os incapazes de votar com o fígado falador. O momento não é para galhofas, tampouco para gracejos e brincadeiras. Todavia, não há como esquecer que entre Deus e o Diabo há o homem. O mesmo homem que deveria ser tão solidário como gosta de solidariedade. Quem não se lembra dos alagamentos e enxurradas de janeiro na Bahia? Foi uma época ruim para os baianos. No entanto, o sofrimento maior foi com os deboches dos sulistas, os quais recomendavam aos desabrigados nordestinos que fizessem o L. Nada como um dia atrás do outro. A lição veio rápido. Como diria o poeta do absurdo, o que é do homem o bicho não come.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras