O evento protagonizado pelo falso mestre Donald Trump na semana passada gerou muito mais do que a invasão do Congresso dos Estados Unidos, a morte de quatro pessoas e a ruína da secular democracia norte-americana. Mostrou ao mundo que o poder não é eterno, que gritos são combatidos com outros gritos ou com ações e que a megalomania, o interesse material, o egoísmo, a cegueira do fanatismo e as paixões orgulhosas são montanhas que barram o caminho de quem busca trabalhar pelo progresso da humanidade.
Não tenho recibo para defender ou acusar esse ou aquele governante, mas o gesto do magnata republicano deixou no ar algumas dúvidas. A principal delas é saber os motivos pelos quais ele não quer largar o osso. Não é apenas poder, pois ele já tem demais. Pelo menos tinha. Além da derrota para Joe Biden, resta saber o que será de Trump até o dia 20. A Câmara dos Deputados dos Estados Unidos tende a votar pedido de impeachment, embora o Senado possa atrasá-lo para não prejudicar o presidente eleito por maioria absoluta de delegados. Estranhamente, os votos por lá não têm o mesmo peso do Brasil.
Seja qual for a sentença, ficou provado que ninguém pode ou deve se justapor à vontade soberana do eleitor. Lá como aqui, precisa haver respeito à resposta das urnas. Ameaças geram caos, descontroles, desordens, mortes, prisões e vergonha mundial, mas não alteram resultados. Como no Jogo do Bicho, o povo, o Congresso, a Justiça e as forças de segurança garantiram o que estava escrito. Quer queiram ou não milicianos de lá e daqui, deu na cabeça que o presidente dos Estados Unidos da América é o democrata Joe Biden. E ponto final.
Os malandros de plantão nas sombras ainda se aproveitam da hesitação e da incerteza, resultantes da fé vacilante de alguns, para mostrar suas garras e convencê-los de que são poderosos, consequentemente dispõem de verdades absolutas e que podem – ou devem – se sobrepor às de outrem. Isso não é apenas um princípio religioso. É a máxima dos aproveitadores e dos que se apresentam como salvadores de pátrias cambaleantes. Eles acreditam em suas próprias mentiras, informando aos incautos que têm meios de vencer, embora também não imaginem que possam alcançar a vitória.
Em síntese, denotam falsos poderes para os que esperam soluções miraculosas de questões insolúveis, como o fim da corrupção e da roubalheira desenfreada no Brasil. A certeza de atingir determinado fim é o que move os que se incluem nesse grupo. A fé sincera e verdadeira é sempre calma. Ela faculta a paciência que sabe esperar, porque, tendo seu ponto de apoio na inteligência e na compreensão das coisas, tem a certeza de alcançar o objetivo visado. Cumpre não confundir fé com presunção. É o que parece ocorrer com o presidente brasileiro, que usa a palavra de Deus e a confiança dos crédulos para invocar seguidores e, fantasiado de íntegro e probo, pousar como enviado divino contra mazelas do Brasil, com destaque para o combate a corruptos e corruptores.
O próprio presidente esquece que a confiança em suas próprias forças torna o homem capaz de executar coisas improváveis para quem duvida de si. Não os rotule de covardes. Foi o que aconteceu com o vice de Trump, Mike Pence, e já ocorreu em passado recente com mandatários claudicantes ou sem aptidão para o cargo no Brasil. Vale lembrar que está registrado em qualquer livro de religião (não importa qual) que as montanhas que a fé desloca para passagem dos bons são as dificuldades, as resistências, a má vontade e as mentiras constantes e ditas sem qualquer pudor.
A recorrência de desgovernos no Brasil ficou assentada nessas duas recém-encerradas décadas, quando boa parte do eleitorado nacional optou por extremos. Falhou ou exacerbou a esquerda e está falhando e ampliando a exacerbação a direita pregadora do ódio e do rompimento com quem a abomina. Não podemos ser hipócritas e varrer para baixo do tapete as odiosas posições do partido que mandou na política do país de 2002 a 2018, inclusive os arroubos, deboches e violências contra a Rede Globo, curiosamente a emissora que mais desagrada Bolsonaro e seus comandados dentro e fora do governo.
Ainda que já tenhamos sido ameaçados, certamente não veremos em 2022 o caos que vimos dia 6 de janeiro nos Estados Unidos. Não sabemos se o vice, apoiado por toda caserna e população sérias do Brasil, dará a vida e a carreira para evitar tal fato. É provável que sim. Esperamos que sim. Caso contrário, antecipamos uma carnificina. Transformaremos o país em uma nação zumbi, daquelas que nem os sobreviventes acreditam que estão vivos. Carece de confirmação do presidente Jair Bolsonaro a realização da eleição geral em outubro ou novembro de 2022.
Carece porque ele está disposto a melar. Só disposto, porque lhe faltará forças (no sentido amplo) e sobrará fé e coragem à população de bem e do bem. Por mais que tenhamos dúvidas sobre propostas e princípios da atual oposição – que se avoluma diariamente -, seus integrantes devem ter aprendido que brincadeira tem hora. O PT disse que tentou passar o país a limpo. Em alguns casos, sujou ainda mais, mas não podemos ser injustos e negar feitos. Apesar do reconhecimento, a Lava Jato espirrou em gregos, troianos e nordestinos politicamente registrados como paulistanos, além de gaúchos entrincheirados nas Minas Gerais.
Sobre as eleições de 2022, o dito popular quem desdenha quer comprar é o mesmo que dizer, em regra, que uma pessoa fala mal de determinada coisa apenas porque não conseguiu obtê-la. Pode ser. Entretanto, aprendi com o professor, magistrado, jurista e político Luiz Flávio Gomes, falecido em meados do ano passado, que, na maioria das vezes, quem menospreza quer o objeto. Debita na conta de um suposto baixo salário a perda de um sonhado emprego. É o mesmo que querer ser o que nunca foi ou será.
Relativamente à disputa presidencial, é fácil acusar antecipadamente o voto impresso ou inexistentes fraudadores da urna eletrônica quando se tem certeza de uma futura derrota. Ou seja, quero ser reeleito, mas dificilmente o povo que votou em mim sem saber quem sou repetirá a loucura. É uma questão de lógica.
*Wenceslau Araújo é jornalista