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O ciclo

Festa, punhalada, coisa do Diabo… acontece de tempos em tempos

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Produção Francisco Filipino

Sentado junto à porta da casa, um velho fuma. Um cigarro atrás do outro. Não há luz em seus olhos. Seus movimentos são bem poucos: acender um cigarro, levá-lo aos lábios, aspirar, soltar a fumaça, que escoa entre seus dedos. Que nem o tempo. Tem o rosto impassível, mas está à espera. Dos cigarros acabarem, da vida acabar, de algo acontecer.

E algo acontece uma vez em cada geração, em geral de 28 em 28 anos, nunca menos de 27, nunca mais de 30. O velho cego começa a impacientar-se, a tentar levantar-se sozinho da soleira da porta, a murmurar coisas incompreensíveis. Os irmãos, donos do sítio, comentam:

– Falta pouco, acho que vai ser na semana que vem, quando a Lua estiver cheia.

– Quem vai com ele?

– Acho que minha filha, Pilar. Já tem 19 anos e é bonita, ele gosta de moças bonitas.

Chamaram Pilar, perguntaram se ela sabia o que ia acontecer, ela respondeu que sim, sabia, estava preparada.

Na tarde em que a Lua mudou, os irmãos deram algum dinheiro ao Avô – dinheiro dele, guardado exclusivamente para esse fim – e entregaram-lhe o punhal – o punhal dele, guardado todos sabiam para quê. Pilar ajudou o Avô a levantar-se e o arrastou pela estrada, rumo à cidade. Foi difícil no começo, mas a um quilômetro da casa, o velho começou a andar mais rápido. A dois quilômetros, recuperou a visão. A três, tornara-se um homem atraente e de ar perigoso, que trajava roupa de festa de estilo antigo. Ele falou pela primeira vez:

– Que bom estar de volta! – e olhando a jovem – você é o que minha, moça bonita?

– Sua neta – mentiu. Era no mínimo bisneta, talvez tataraneta, algo assim.

Chegaram ao baile quando a Lua já iluminava tudo. Separaram-se, como previsto. O homem bebeu no balcão, pagou rodadas para os amigos feitos na hora, pegou uma guitarra e encheu a noite de acordes mágicos. Depois, foi dançar. Parceiras não faltavam, todas as mulheres estavam fascinadas pelo desconhecido.

E, como sempre acontecia, um homem sentiu ciúmes e foi tirar satisfações. E, como sempre acontecia, o punhal cravou-se no peito do desafiante. O Avô deixou o baile sem olhar para trás, enquanto todos tentavam acudir a vítima. Pilar saiu discretamente logo em seguida.

Encontraram-se pouco adiante e seguiram juntos. Aos poucos, a roupa de festa virou um trapo sujo, os olhos ficaram cegos, o Avô passou a arrastar-se, amparado com dificuldade pela jovem. Antes, porém, veio o Lamento, fazia parte do ciclo:

– Ah, que agonia! Foi maldição daquele feiticeiro, matei o filho dele por causa de uma mulher, nem lembro seu rosto e muito menos seu nome. Estou condenado a repetir esse crime noite após noite. E tenho um pesadelo pavoroso, de que passam décadas antes que eu acorde, me torno um velho decrépito!

Pilar levou o Avô para casa, ajudou a colocá-lo na cama. Enquanto isso, na cidade, procuraram alguma pista do assassino, mas ninguém o conhecia. Alguns, os mais velhos, recordaram crimes semelhantes, ocorridos há muito tempo, e diziam que era coisa do diabo. Talvez fosse.

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