Rezar é preciso
Fezinha de flamenguista aumenta quando tem tricolor pela frente
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emJorge era ateu de carteirinha, mas se tornara agnóstico – alguém que não acredita em Deus, mas não nega a possibilidade de sua existência – e estava em vias de regressar ao catolicismo de seus pais. Tudo culpa do Flamengo.
A coisa começara quando, ao passar por uma loja de artigos religiosos, viu na vitrine uma imagem de são Judas Tadeu. Era bonita, o preço era baixo, o santo era o protetor de seu time do coração… comprou-a. Colocou-a em uma estante na sala, perto da televisão. Antes dos jogos do Mengão, dizia sempre, meio brincando, meio a sério, frases do tipo:
– Vamos lá, são Judas. Proteja nosso time, pô!
Aparentemente, funcionou, o Flamengo foi campeão carioca invicto. Mas então começaram os grandes campeonatos, o Brasileirão, a Copa do Brasil, a Libertadores, e o desempenho rubro-negro não estava lá essas coisas. Em maio, Jorge recitava sem parar, amargurado, um verso do poeta Augusto dos Anjos: “Um urubu pousou na minha sorte”. Urubu rubro-negro ingrato, que ameaçava lançar o time nas profundas do inferno. O Mengão perdeu para o Palestino no dia 7 e corria o risco de não prosseguir na Libertadores. Só de pensar nisso, ele sentia calafrios.
Na Copa do Brasil, as coisas também não estavam boas. No dia 1, o Flamengo venceu o Amazonas no Maracanã por apenas 1 x 0. Se não triunfasse em Manaus, seria eliminado prematuramente. Já no campeonato brasileiro, a equipe mostrava um desempenho razoável, mas nada de encher os olhos. A tigrada rubro-negra, eterna viúva de Jorge Jesus, já exigia, rosnando, a cabeça do técnico.
Jorge decidiu tomar uma providência. Passou a conversar com são Judas, sem “pôs”, sem tom de brincadeira, pedindo a vitória de seu time querido. Coincidência ou não, depois da derrota para o Palestino, a equipe não perdeu mais, e se classificou para as duas competições em que corria riscos.
E então veio o mês de junho, tempo de festas juninas e de Copa América. O Flamengo jogaria o Brasileirão sem, no mínimo, cinco titulares; Jorge sentiu que precisava dar um passo adiante em suas conversas com são Judas, fazendo algo de que vinha fugindo como o diabo foge da cruz: terminando os pedidos de favorecimento ao Mengão com a palavrinha “amém”, assim seja. Ele tinha consciência de isso tornava seus papos com o santo em orações, e que, por mais que nunca mencionasse Deus, o santo era, no mínimo, parça da divindade. Ora, não há fiofóde ateu (ou agnóstico, vá lá) que aguente isso; estava resvalando perigosamente para o catolicismo em versão popular medieval, em que os santos eram extremamente reverenciados, mais que a divindade – mas vitórias do Mengão valiam uma oraçãozinha ou outra. Afinal, era uma questão de fé. E, como ensinou mestre Gilberto Gil, a fé não costuma falhar.
E não falhou. Ele rezou fervorosamente por vitórias rubro-negras diante do odiado Vasco, do pobrezinho do Grêmio e do perigoso Atlético Paranaense (nesse caso, aceitava o empate, sabia que o Furacão em casa era uma pedreira). Resultados: Flamengo 6 x 1 (!!!!!), 2 x 1 e 1 x 1. Rezou com fervor ainda maior pela vitória diante do Bahia, jogo que levaria o vencedor à liderança do Brasileirão. Não deu outra: Mengo 2 x 1, gol de cabeça no último minuto, que nem no Paraná. “O santo está charlando, fazendo charminho, tirando sarro, se divertido em mostrar seu poder, mandando a bola pro fundo da rede segundos antes do apito final”, concluiu. Seus amigos, todos ateus (ou agnósticos, que seja), tremeriam de indignação se pudessem ouvir isso.
O próximo jogo do Flamengo, será contra o Fluminense. Em circunstâncias normais, Jorge não incomodaria o santo com orações, mas Fla-Flu é fogo, vai que o tricolor lembra como se joga bola. Uma vitória do Flu restauraria o ateísmo (ok, agnosticismo e não se fala mais nisso) de Jorge, mas é tão mais gostoso ver o Mengão mandando em campo, ainda que à custa de algumas orações…
Então, ele vai rezar direitinho pra são Judas Tadeu, terminando seu diálogo com um amém. Que ainda restam muitos jogos até o fim dos três campeonatos, e vencer é preciso, sempre com um empurrãozinho sobrenatural, fazer o quê?