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Ficou todo mundo de olho no que se mostrou no Design Weekend de Sampa

Beka Andrade, Edição

Depois de viagens pelo mundo para visitar e organizar eventos do setor de arquitetura e construção, Lauro Andrade Filho começou a perguntar: “Por que o Brasil não tem um festival de design?”. O ano era 2008 e, sem respostas, começou ele mesmo a planejar um evento sobre o tema. Nascia assim o Design Weekend, que, desde 2012, tem ajudado a palavra “design” a circular com mais naturalidade por São Paulo durante o mês de agosto.

O DW, como é chamado, cresceu e, em quatro anos, ganhou a companhia dos protagonistas desse mercado: lojas, centros universitários, fabricantes de móveis, galerias, estúdios independentes, curadores. Entre os dias 8 e 14, aconteceram 260 ações simultaneamente em dez endereços, como feiras de negócios, palestras, exposições, workshops e lançamentos de móveis.

O formato é inspirado em grandes semanas de design internacionais. A mais tradicional delas acontece há 55 anos em Milão e atraiu em abril 372 mil pessoas apenas para o evento âncora, o Salão Internacional do Móvel —outras milhares circularam pela programação paralela que toma conta da cidade, o Fuori Saloni. Mais jovem, o Festival de Design de Londres, criado em 2003, teve 375 mil visitantes diretos em setembro do ano passado. Segundo a World Design Week, são 39 semanas de design anualmente pelo mundo.

“Quando vi esse movimento em Milão, fiquei apaixonado pelo formato e imediatamente percebi uma correlação com o que acontecia no Brasil, que era uma necessidade muito grande do cidadão de reocupar o espaço público, como vinha ocorrendo na Virada Cultural”, diz Lauro, 45, catarinense com formação e mestrado nas áreas de gestão e negócios.

Em 2003, fundou a Summit Promo e ganhou experiência em eventos como a Expo Revestir, feira de revestimentos da qual é diretor desde 2005. No passado, os paulistanos já haviam experimentado tentativas semelhantes, como a Primavera do Design, no começo dos 2000. Mas, concentradas na alta decoração e em poucos bairros, não tiveram força para virar festival.

Para não morrer na praia também, o DW tem se dedicado a manter unidas as figuras que ditam as regras nesse segmento no Brasil e a ampliar o seu raio de alcance. Para isso, faz parcerias estratégicas com profissionais especializados, que ajudam a abrir portas e estreitar relacionamentos. A partir deste ano, o DW divide sua curadoria com a equipe da revista “Bamboo”, liderada por Clarissa Schneider, que há duas décadas acompanha o setor.

“A primeira dificuldade que tivemos foi mostrar para os protagonistas que juntos somos mais fortes do que isoladamente. Eram tribos muito fechadas”, lembra Lauro.

Em 2014, grandes agitadores da área já haviam aderido, caso de Waldick Jatobá, da Made, Joyce Joppert, da Associação Objeto Brasil, e Beto Cocenza, do BoomSPDesign. O DW, hoje, tem a chancela dos representantes de empresas de design (Abedesign), designers de interiores (ABD), estilistas (Abest) e designers gráficos (ADG Brasil).

A Made (abreviação das palavras mercado, arte e design), que estreou um ano depois do primeiro DW, é uma feira de peças colecionáveis, que dialogam com o universo da arte -isso significa que nem sempre uma cadeira é feita para se sentar. Instalada no Jockey Clube, teve 12 mil visitantes no ano passado, quando já era parte do DW, ante 5 mil, em 2013. “Recebemos muita gente de fora de São Paulo, compradores de outras cidades e Estados”, conta Jatobá.

A segunda dificuldade para os organizadores do DW foi dirigir o envolvimento dos participantes menores, como as lojas. Acostumadas a viajar para as semanas internacionais de design, essas pessoas ficaram um tanto perdidas quando se viram do outro lado, na condição de anfitriões. “Tivemos que explicar que eles precisavam receber, criar conteúdo, contar uma história”, diz Lauro.

O caminho escolhido por muitos estabelecimentos foi dirigir os holofotes para os designers. A estimativa feita pelos organizadores é que menos de dez profissionais tenham tido destaque no primeiro ano. Na próxima edição, cerca de 90 criativos estarão na linha de frente da programação.

Guilherme Wentz, 29, é um deles. O gaúcho radicado em São Paulo foi a atração da loja Decameron, uma das 41 da alameda Gabriel Monteiro da Silva, famosa rua da decoração, que participarão do DW. Depois de desenhar móveis e objetos para grandes marcas, ele se dedicou no último ano a criar sua primeira coleção, composta por dez peças, entre mesas, cadeiras e luminárias de traços simples e contemporâneos.

Ele mesmo cuidou de tudo, incluindo o contato com os fornecedores, quatro parceiros diretos e nove indiretos. A quantidade se explica pela diversidade de materiais: madeira, aço, latão, mármore, vidro soprado, alumínio, palha natural e tecido ecológico.

Participando pela terceira vez do festival, Wentz avalia que o evento está ajudando a reunir os players do mercado ao mesmo tempo em que começa a atrair os não iniciados. “O DW já consegue movimentar pessoas de fora desse nicho. É um momento em que a gente consegue falar com o consumidor final e também encontrar fabricantes.”

Curadora e crítica especializada em design, Adélia Borges vê a difusão da cultura do design como o maior e mais duradouro benefício de um festival desse porte. “Gosto de fazer um paralelo com o que aconteceu com a Restaurant Week. O evento era uma oportunidade para conhecer restaurantes e ampliar o horizonte do paladar. Com o design, acontece o mesmo: as pessoas começam a degustar, olhar, ver, comparar, gostar de uma coisa, não gostar de outra”, afirma ela, que se prepara para dar o curso “Design e Brasilidade”, a partir do dia 10, no Sesc-SP.

Depois de convencer grandes figuras e ensinar pequenos participantes, envolver o público não especializado se impõe como a missão deste e dos próximos anos. Estimular a existência de eventos gratuitos e palestras para leigos (sobre combinação de cores, por exemplo) e intensificar a comunicação são as formas que o DW encontrou de atingir quem ainda não respira design todo dia. A estimativa dos organizadores é que por volta de 1 milhão de pessoas tenham sido impactadas pelo festival de 2015.

Para a professora Sueli Garcia, parte da coordenação do núcleo de design do Centro Universitário Belas Artes, a palavra mágica para atrair quem é de fora é conteúdo. “O evento não pode apenas mostrar o design como algo possível de ser degustado só visualmente”, diz.

O italiano Carlo Acierno, proprietário do espaço que leva seu sobrenome no bairro de Pinheiros, pensa igual. “Em Milão, tem uma vasta quantidade de pessoas que nem visitam o Salão do Móvel, mas se dedicam a descobrir coisas pela cidade sem interesse em comprar”, afirma. Sua loja terá eventos simultâneos, entre exposição de jovens arquitetos e palestras.

Outro caminho para envolver os paulistanos é estimular ações que resultem em algo palpável para a cidade. O modelo de parklets, aquelas minipraças que ocupam vagas de carro na rua, nasceu dentro do DW de 2013. Neste ano, o espaço do jornalista Gilberto Dimenstein, na Vila Madalena, vai inaugurar
um banco de 50 metros ao ar livre.

“Esses legados atingem mais pessoas fora desse mercado e mostram que o design está em todo lugar e é uma ferramenta para melhorar a casa, a cidade e a maneira de nos relacionarmos”, define Clarissa.

Os ganhos, dizem os entendidos, são divididos entre todos. “Vendo as semanas de design internacionais, percebemos que elas ampliam a discussão dos benefícios do design. Muitos não se dão conta de como um produto bem feito e bem pensando pode melhorar a vida deles”, afirma Baba Vacaro, designer e diretora de criação da loja Dpot.

Já Maurício Tortosa, diretor-presidente da Escola Britânica de Artes Criativas (Ebac), acredita que, estimulando esse mercado, o retorno também pode ser financeiro. “Cerca de 2,8% do PIB depende da economia criativa, e em São Paulo, isso significa quase 11% da receita da cidade.”

Para Lauro Andrade, atrair mais e mais público é uma questão de tempo. “Não podemos imaginar que a Semana de Design de Milão já nasceu grande. A vantagem é que começamos num mundo conectado, horizontal, em rede. Nossa curva de aprendizado e desenvolvimento vai ser mais rápida.”

O alcance geográfico do DW, no entanto, ainda está restrito aos bairros mais nobres. O próprio centro só entra na programação por meio do Istituto Europeo di Design (IED), em Higienópolis.

“Foi um ano atípico de maneira geral para a economia e tivemos que concentrar as atividades em alguns pontos da cidade. Mas o caminho natural é deslocar para outros bairros e o centro”, explica Lauro. “Mas não será algo implantado ou imposto pelo DW, tem que haver um movimento natural das empresas e dos criativos de uma determinada região para isso que aconteça.”

Ele cita o exemplo de Pinheiros. Até no ano passado, os estabelecimentos do quadrilátero formado pelas ruas Mateus Grou e Cristiano Viana apareciam na programação da Vila Madalena. Os lojistas se incomodaram, procuraram o DW e foram incentivados a reunir quórum para justificar uma emancipação.

A independência veio, e Pinheiros terá neste ano 15 pontos com atividades. “Puxei essa conversa porque Pinheiros tem identidade própria, é um bairro de makers, de gente que faz um design muito urbano e sabe aliar tecnologia com um fazer mais tradicional”, diz Acierno, que há um ano abriu um espaço na rua Francisco Leitão.

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