Brasília, 1º de abril, no Setor de Indústrias e Abastecimento. Há 16 anos estava sendo criada a Call Tecnologia, empresa do conglomerado JC Gontijo, mais conhecido por atuar na indústria hoteleira e de luxuosos imóveis residenciais. Mas naquele longínquo 1999, José Celso vislumbrou um novo filão de ouro. Visionário, lançou seus tentáculos sobre a indefesa administração pública. Hoje, ironia do destino, quando o grupo canta parabéns, sabe-se que vive sob o estigma da mentira.
A verdade é que universitários brasileiros, acreditando nos belos acenos do governo federal, caiu mais uma vez na armadilha e comprou gato por lebre. Esse novo quadro foi revelado em minúcias durante longos depoimentos prestados a Notibras por gente que circula pelas salas e corredores da Call. Resumindo, o povo foi enganado, vítima dos famigerados contratos de terceirização de mão de obra firmados entre o poder público e a iniciativa privada.
No caso em questão, a arapuca empresarial ocorreu no Ministério da Educação, mais precisamente no mais novo calo administrativo do governo de Dilma Rousseff: o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). O contrato entre o MEC e a prestadora de serviços pertencente a José Celso Gontijo, foi selado na base de informações fraudulentas.
Quando participou da licitação, na modalidade pregão, JC e seu corpo administrativo garantiram que para prestar serviço de qualidade, seus funcionários passariam por treinamento de ao menos 70 horas. Entretanto, essa capacitação não ocorreu em nenhum momento.
A sequer um funcionário essa carga horária foi ministrada. E sem nenhum preparo, pouco mais de 1 mil funcionários começaram a se perder no oceano de informações equivocadas fornecidas a milhões de estudantes universitários de todo o País. O resultado não poderia ser outro. Pane geral no Fies, e pais e alunos desesperados, sem condições de renovar ou ingressar no sistema.
O quadro interno da Call é de calamidade. A holding JC Gontijo obrigou seus funcionários a assinar documentos, condicionados à admissão no emprego, atestando que passaram por um treinamento rígido. Até porque, a Call precisava mostrar ao Ministério da Educação, ao menos no papel, que dispunha de uma equipe qualificada. Não fosse isso, não receberia os 110 milhões de reais a título de cobertura de convênio por um período de 12 meses.
Pura fantasia. A realidade mostra que o gato passado por lebre foi vítima do lobo que se vestiu de cordeiro.
Ao contrário do que apregoam o Palácio do Planalto e o Ministério da Educação, os problemas detectados no Fies ao longo dos últimos meses não estavam relacionados apenas ao aditamento de contratos. No início do ano, milhões de estudantes não conseguiram renovar suas matrículas. E para se esquivar da dificuldade, a presidente Dilma Rousseff transferiu a responsabilidade para as faculdades particulares. Criou-se um jogo de empurra que se estendeu até agora, com a queda da máscara.
Decorrido quase um ano do contrato de trabalho, os funcionários da Call Tecnologia chegaram ao limite diante da incoerência e farsa da empresa. Em áudios e vídeos gravados, em posse de Notibras, alguns empregados denunciam a péssima gestão da empresa terceirizada, refletindo diretamente nos estudantes universitários que, prejudicados, ficavam sem ter a quem recorrer.
Entretanto, com o quadro catastrófico que se desenhou, juristas consultados por Notibras entendem que os alunos que se sentirem prejudicados em função de um atendimento do pessoal despreparado, podem recorrer à Justiça e ter seus direitos reconhecidos.
O contrato da Call com o MEC para atender ao Fies foi firmado em maio de 2014. Como o prazo é de um ano, a vigência acaba em mais 30 dias. Com um preço menor e promessas de serviços de qualidade quando foi promovido o pregão eletrônico, a subsidiária da JC Gontijo conseguiu desbancar a CTIS, até então contratada para a prestação desses serviços.
Nos primeiros dias, respeitados os depoimentos dos funcionários, a mentira já se concretizava. Para se ter ideia da gravidade da situação, basta lembrar que um dos funcionários do departamento de pessoal, identificado como DH, deixa claro que o treinamento seria relâmpago, apesar de demonstrar claramente a necessidade de um tempo bem maior para instruir os futuros atendentes que falariam em nome do MEC.
Nem o tradicional cumprimento oficial (“Central de Atendimento do Ministério da Educação… fulano de tal… bom dia! Com quem eu falo, por gentileza?”) os contratados tiveram tempo de decorar.
– Eu queria ter mais prazo para ministrar tudo. Só que, de acordo com as situações adversas, a gente vai ter pouco tempo para fazer isso”, diz o encarregado da formação da equipe em uma das fitas gravadas entregues a Notibras. Ocorre que DH não explicita as adversidades existentes e as que surgiriam pela frente.
Numa das reuniões em que os funcionários tentavam extrair de seus superiores melhorias, eles ouviram um mea culpa que denota o total atrapalho da empresa. “Peço desculpas a vocês, mais uma vez, pelo atropelo das coisas. Não deveria ter sido assim”, reconhece um supervisor que não tem o nome identificado no áudio.
Não é a primeira vez que isso ocorre nos serviços prestados pela Call Tecnologia. Logo no início do contrato, o serviço também foi feito “nas coxas”. Em um dos áudios, o responsável por acalmar os ânimos dos atendentes relembrou seu próprio início na empresa. Afirmou que a estrutura estava totalmente inacabada, com fiações expostas e que o sistema caia constantemente. Mas, garantia, “tudo vai melhorar, porque os empreendedores são fortes e entendem do assunto”.
Do grupo remanescente de funcionários da época em que a CTIS atendia ao Fies, sobrou pouca gente. O maior empecilho para a permanência era o ‘alto salário’, de cerca de 1 mil 400 reais. Os novos contratados que substituíram a equipe treinada para atender aos estudantes universitários recebem pouco mais da metade – algo em torno de 800 reais. É a teoria do gato por lebre em vigor. Ou a Lei do Gerson, onde se busca sempre um jeitinho de levar vantagem em tudo.
Elton Santos e José Seabra