Platão e o pastor Cláudio
Filha boa de cuca encuca mãe em meio a discussão sobre ciência e religião
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emCresci numa família desregrada, como tantas outras que conheci. Quer dizer, depois que percebi como as coisas funcionam, constatei que não há gente perfeita. Longe disso, pois os defeitos saltam aos olhos quando se tem a oportunidade de estar munido de uma lupa.
Parte dos meus vive enfurnada na igreja, como se aquilo fosse salvá-los do inferno. Pior, aos berros, gritam como loucos como se querendo dizer que são bons. Bom era o Sultão, o vira-lata lá de casa. Rosnava quando preciso, até chegava a mordiscar os calcanhares dos desavisados, mas não atazanava os ouvidos alheios com ladainhas moralistas.
— Marília, minha filha, hoje conversei sobre você com o pastor, e ele disse…
— Quem?
— O pastor Cláudio.
— E o que ele tem a ver com a minha vida, mãe?
— Ele é um homem sábio, Marília.
— Que nem Aristóteles?
— Quem?
— Platão, mãe.
— E quem é esse?
— Ah, deixa pra lá!
— Deixo, não, Marília!
Outra feita, quando mamãe insistia em conversas infrutíferas, eu tacava logo Einstein.
— Quem?
— Einstein, mãe. Albert Einstein.
— Hum! Lá vem você com essas histórias.
— Newton?
— Quem é esse?
— Adalgiza, ela tá falando do Nilton Santos.
Depois da esdrúxula intervenção do meu pai, tive certeza de que fui adotada. Não é possível que eu seja fruto daqueles dois. Creio que nem Mendel conseguiria explicar tamanha incongruência.
Puxei os genes da minha avó materna. Só pode ser isso ou, então, melhor apostar que me deixaram em um cesto na porta da nossa casa. Mas façamos uma aposta, que seja a de que sou filha do casal que me criou.
Vovó, de quem herdei o modo de enxergar o mundo, não era afeita a apaziguar as insanidades de gente adulta, que cisma em levantar as mãos pro Céu diante das fortunas, mas choraminga perdão sem culpa perante as desventuras. Sou má? Não descarto tal possibilidade, ainda mais quando me chega mensagem do pastor Claudio pelos lábios de minha mãe.
— Minha filha, não leve pro coração tanto desatino.
— Mamãe, desatino é dar tanto crédito ao coração, quando o órgão da razão é o cérebro.
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