O mistério de tia Rosa
Filho enfim conhece o pai, mas no cemitério
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emTia Rosa é afamada por tantos eufemismos. Não acredito que ela procure se esconder da crueza da vida, mas apenas floreá-la. Além disso, até onde me lembro, não é afeita a misticismo. Tanto é que nunca a vi em igrejas ou rezando ao pé de algum santo, costume tão comum na família.
Casou muito cedo com o primeiro namorado, mas foi coisa que não durou mais que ano. Por sorte, como ela gostava de dizer, o tempo de alcova não foi suficiente para gerar fruto. A família nunca soube se foi por causa de prevenção de tia Rosa ou por conta de defeito do marido, que caiu no mundo e nunca mais se ouviu falar. Um traste, como todos se lembravam do sujeito.
Lá pelos 30 anos, durante reunião de mulheres da família, minha tia revelou que estava grávida. Minha mãe logo perguntou quem era o pai, mas a buchuda sorriu e disse que não tinha certeza, para desespero do vovô, que estava sentado na cadeira de balanço no canto. De tão assustado, pensei que fosse enfartar.
Meu avô sobreviveu e, já beirando final de ano, conheceu o neto, José Carlos, que nasceu trigueiro como os nossos. Os olhos azuis, mesmo que denunciasse um antepassado por todos desconhecido, apontava para o Alfredo, dono da padaria, um dos poucos amigos da família com tal característica. O problema é que o homem era casado com uma prima nossa distante.
Apesar das desconfianças que sempre existiram, ninguém foi capaz de decifrar aquele mistério até anteontem. É que o Alfredo virou finado um dia antes. A parentada quase toda se fez presente no velório, lá no cemitério Campo da Esperança, inclusive tia Rosa e o filho, cheio de adolescências nos seus 14 anos.
— Mãe, quando é que a senhora vai me levar pra conhecer o meu pai?
— Se aquieta, menino! Seu pai acabou de virar camisa de saudade.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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