Juliana Carreiro
O documentário norte-americano ‘What the Health’, disponível no youtube e no Netflix, deveria ser assistido por todos que se preocupam com o que colocam no prato e que se interessam pela relação entre a sua saúde e os interesses de grandes corporações. Confesso que assisti-lo era uma das tarefas da minha lista, sabe aquela que a gente sempre faz, nem que seja mentalmente, e muitas vezes demora a cumprir? Pois deveria tê-lo assistido antes. Os cineastas Kip Andersen e Keegan Kuhn foram conversar com especialistas na relação entre o hábito alimentar praticado pela maioria dos americanos e o surgimento de determinadas doenças e sobre a responsabilidade da indústria alimentícia do país em criar e promover, das mais diversas formas, produtos comprovadamente nocivos à população. Escrevo este post porque infelizmente os hábitos praticados por lá já cruzaram o hemisfério e têm tomado conta do dia a dia de boa parte dos brasileiros. Assim como tem acontecido com nossos colegas de cima, eles terão consequências por aqui e são as piores possíveis.
O documentário levanta uma questão perigosa que é a estreita relação entre a indústria alimentícia e pesquisas científicas pagas para defenderem substâncias ou alimentos comprovadamente nocivos à nossa saúde. Muitos deles foram recomendados pela Sociedade Americanas de Diabetes, pela Associação Americana do Coração e pela Sociedade Americana de Câncer. Os autores verificaram que estes órgãos oficiais são financiados por dezenas de representantes da indústria alimentícia local e mundial de laticínios, carnes processadas e fast food. A cada 5 anos, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos cria diretrizes alimentares para a população e, segundo eles, os profissionais que as escrevem também recebem dinheiro de dezenas de empresas cujos produtos são os piores possíveis para a saúde, como o Mc Donald’s e a Coca Cola. A indústria da carne gasta, declaradamente, mais de 550 milhões de dólares por ano para promover seus produtos, por meio de programas governamentais no país e mais de 130 milhões em lobbying para fazer com que o Congresso local aprove leis que os beneficie ou reprovem aquelas que os prejudique. É o caso da chamada ‘lei da mordaça’, que penaliza quem fotografar os abusos da indústria.
Qual é o resultado de todo este trabalho? A maioria dos norte-americanos com até 10 anos de idade já têm traços de gorduras nas artérias (esta é uma das condições para que as doenças cardíacas se desenvolvam). Nos Estados Unidos, 1 a cada 3 dólares destinados a tratamentos de saúde se refere ao combate ao diabetes e, se os hábitos de vida se mantiverem, daqui a 25 anos, 1 em cada 3 americanos terá diabetes. 350 milhões de pessoas têm diabetes hoje no mundo. Mais de 17 milhões de pessoas morrem anualmente em todo mundo por conta de problemas cardiovasculares (que também são preveníveis). E quase 1 em cada 3 pessoas morrem em decorrência deles. De acordo com o cardiologista, Joel Kahn, 70% das causas de mortes no país se dão por conta de doenças preveníveis, como: diabetes, doenças cardíacas, obesidade e alguns tipos de câncer, entre tantas outras. E boa parte desta prevenção passa por mudanças alimentares.
O que nossas culturas alimentares têm em comum? O grande crescimento do consumo de produtos ultraprocessados nas últimas décadas, a falta de políticas públicas voltadas para educação nutricional, a falta de leis que controlem a utilização de determinados aditivos químicos e o excesso de sódio, açúcar e gordura trans pela indústria alimentícia, profissionais de saúde e atendimentos do sistema público voltados apenas para o controle dos sintomas das doenças, sem focar na sua prevenção e o abandono do hábito de cozinhar e de consumir comida caseira, feita com ingredientes de verdade.
Os especialistas consultados, relacionam o desenvolvimento de diabetes, problemas do coração e até câncer com o excesso do consumo de proteínas de origem animal: carne bovina, aves, carnes processadas, ovos e laticínios. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 800 estudos feitos em 10 países associam o consumo de carnes processadas (bacon, embutidos, nuggets, salsicha…) a determinados tipos de câncer. Por exemplo, 1 porção de alguma delas por dia aumenta o risco de câncer colorretal em 18%. Estes produtos são classificados como ‘carcinógenos’, pela OMS, assim como o cigarro. Também foram citados os malefícios da gordura saturada e do colesterol presente em todas as proteínas de origem animal e dos hormônios e antibióticos utilizados nas suas cadeias produtivas. Algumas afirmações podem ser polêmicas, por isso vale a pena assistir, ouvir os argumentos e tirar suas próprias conclusões. Ainda estou em dúvida sobre as minhas. Não sou vegana, nem vegetariana, mas acredito que conhecer um novo ponto de vista a respeito de um assunto tão importante quanto a alimentação é sempre positivo.
Assim como eu venho escrevendo desde o início deste blog, os cientistas mostraram que o leite de vaca não garante o cálcio que nossos ossos precisam, pelo contrário, ele prejudica a sua absorção. Provaram que países onde o consumo de leite de vaca é mais alto, são também os que têm mais casos de osteoporose. Pesquisadores o associam até ao desenvolvimento de alguns tipos de câncer como o de mama, o de próstata e o de ovário. Para garantir os consumidores do presente e do futuro, a indústria de laticínios do país, gasta 50 milhões de dólares por ano para promover os seus produtos em escolas públicas, com o aval do governo federal.
Você pode estar se perguntando: “Então, não posso comer mais nada?”. É fácil, pode continuar comendo sim. Basta tirar da sua rotina alimentar o excesso das proteínas de origem animal e dos derivados do leite de vaca e os ultraprocessados. Pode usar e abusar das frutas, dos legumes, das verduras, dos cereais integrais e das leguminosas, a nossa boa e velha comida de verdade.