Pedro Nascimento, Edição
O Haiti continua devastado desde o terremoto de 2010 que deixou mais de 220 mil mortos, mas uma nascente indústria cinematográfica começa a emergir dos escombros de seus povoados destruídos.
À frente do fenômeno está Guetty Felin, com Ayiti Mon Amour, um longa-metragem que retrata o luto desta nação após o terremoto e que recentemente foi anunciado como o primeiro filme a representar o país caribenho na categoria de melhor filme estrangeiro no Oscar.
Dez dias depois do desastre, esta haitiana viajou a Porto Príncipe em um avião de resgate. Felin ainda se lembra das cenas que encontrou quando aterrissou. “Nunca antes tinha sentido o cheiro da morte, corpos por todos os lados. Eu só pensava: ‘O que é este fedor?’, por toda a cidade, era simplesmente devastador”, disse.
As escolas, hospitais e infraestrutura desta nação do Caribe ficaram destruídos. O tremor de 7,0 graus de magnitude deixou 300 mil feridos e 1,5 milhão de pessoas sem casa, no país mais pobre da América Latina.
Sete anos depois, Ayiti Mon Amour representa não só a emergência de uma nova voz na cinematografia haitiana, mas também um marco na reconstrução cultural do país, ao se tornar o primeiro longa-metragem filmado no país dirigido por uma mulher.
Aproveitando seu trabalho anterior em documentários, Falin imprime as realidades do Haiti atual – os cortes de luz, a escassez de água e a ameaça das mudanças climáticas – com uma lírica que ressalta seu lado místico.
Carta de amor ao país – Em Kabic, um pequeno povoado de pescadores onde a água foi cobrindo a terra em consequência das mudanças climáticas, a câmera de Felin mostra como a vida mudou cinco anos depois do terremoto. Um adolescente que chora a morte de seu pai descobre que desenvolveu um super-poder eletrizante, enquanto um velho pescador que fala com sua vaca pensa que a cura para a doença de sua esposa pode estar no mar.
Por outro lado, a bonita e misteriosa musa de um romancista, que é o personagem principal de seu livro, decide deixá-lo e seguir seu próprio caminho. Nascida em Porto Príncipe, Felin viveu sua infância e adolescência entre Nova York e Haiti, e depois passou uma temporada artística em Paris, aonde foi para estudar cinema e acabou ficando 20 anos.
Felin se apaixonou pelo cinema nos drive-ins de Porto Príncipe, aonde ia durante a brutal ditadura de Francois “Papa Doc” Duvalier, que foi seguido por seu despótico filho Jean Claude, ou “Baby Doc”. “Houve momentos em que você temia que alguém pudesse te levar embora daqui. Naquela época, a fragilidade da vida (…) me inspirou totalmente”, contou.
Ayiti Mon Amour, que está buscando um distribuidor nos Estados Unidos, conta com apenas um ator profissional, enquanto o resto do elenco e muitos outros colaboradores saíram da comunidade e da própria família de Felin.
A indústria cinematográfica no Haiti já estava sofrendo antes do terremoto. A última sala de cinema tinha fechado um ano antes, em meio a um contexto de pirataria crescente, e nenhum filme foi projetado em um espaço público cinco anos depois disso.
“É difícil fazer cinema em um lugar como o Haiti, porque sempre acontece algo que é prioritário, seja a instabilidade política ou um desastre”, disse Felin.
Felin, que perdeu um amigo próximo na tragédia diz que se sente “culpada de sobreviver”, não queria que o longa fosse apenas sobre o luto, mas também uma carta de amor ao seu país.