Ronaldo Caiado
No próximo dia 26, a sociedade brasileira volta às ruas para clamar por justiça no âmbito da vida pública. Justiça sem privilégios, nos termos do artigo 5º da Constituição —cláusula pétrea—, de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
O símbolo que condensa, perante o povo, a ideia de que há privilégios é a instituição do foro por prerrogativa de função, que hoje alcança um número despropositado de beneficiários.
Segundo a Ajufe (Associação dos Juízes Federais), são cerca de 40 mil —isso mesmo!— os beneficiários desse foro, muito a propósito chamado de privilegiado. Só no Judiciário, de longe o mais abrangido pelo foro, são 34.676, segundo a Ajufe.
Uns têm jurisdição no STF (presidente e vice-presidente da República, ministros de Estado, parlamentares federais, integrantes dos tribunais superiores); outros (governadores e desembargadores), no STJ; e outros ainda (magistrados, procuradores, promotores, prefeitos, deputados estaduais), nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais, a segunda instância da Justiça brasileira. O foro ainda beneficia membros de tribunais de contas, comandantes militares e chefes de missões diplomáticas.
Detalhe: têm direito ao foro mesmo em casos de crimes comuns, alheios ao exercício de suas funções públicas.
A percepção popular é que o foro é uma espécie de blindagem judicial, o que agrava a desconfiança da sociedade para com suas instituições.
Na medida em que o alcance do foro vai muito além dos fundamentos que o conceberam —proteger os mais altos cargos da República—, torna-se ele uma excrescência.
Além do sentido moral repudiado pela população, e em claro confronto com o espírito isonômico da Constituição, há, no caso das autoridades com foro no STF, o transtorno operacional que daí advém. Transforma-se o STF em tribunal penal, o que não é de sua índole nem de sua destinação de Corte Constitucional.
O foro é uma sobrecarga a um volume já de si monumental de demandas, acima, em regra, da capacidade estrutural dos tribunais superiores. Veja-se o caso do STF, que, com apenas 11 juízes, julga cerca de 100 mil casos por ano, enquanto a Suprema Corte norte-americana, com o mesmo número de magistrados, julga apenas cem casos.
Em tal contexto, os réus do foro privilegiado beneficiam-se da lentidão processual, decorrente dessa sobrecarga, o que faz com que a imensa maioria se beneficie da prescrição de seus crimes.
Enquanto o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba, já julgou e sentenciou mais de uma centena de envolvidos na Lava Jato, o STF ainda não condenou ninguém.
Isso explica a resistência de muitos ao fim do foro, hoje proposto por PEC em tramitação no Senado, já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e que tem meu integral apoio.
Se o foro tem o propósito de resguardar os mais altos cargos da República, que cumpra seu propósito, restringindo-se aos presidentes dos três Poderes e a algumas poucas funções mais —e apenas para os crimes de responsabilidades, isto é, os atos inerentes ao exercício da função.
Nos crimes comuns, todos, como qualquer cidadão, reportam-se à jurisdição de primeiro grau. Além do impacto moral, vital para restabelecer a credibilidade das instituições, o fim da farra do foro tornará o processo de responsabilização mais célere e o clamor da sociedade por justiça será, enfim, atendido.
Privilégio é exceção —e a Constituição (artigo 5º, XXXVII) quanto a isso é claríssima: “Não haverá juízo ou tribunal de exceção”.