Pedro Antunes
Duas frases são necessárias para enveredar pelo mundo do FingerFingerrr, banda paulistana formada por Flavio Juliano (baixo, guitarra e voz) e Ricardo Cifas (bateria, teclado e voz) “Eu só ganho” e “eu não tenho” são urradas pelo dois músicos, enquanto os instrumentos sacodem o cérebro do ouvinte como se a pancadaria viesse por todos os lados. São dois músicos executando a faixa Eu Só Ganho. Com o volume no talo, contudo, pode-se jurar que havia uns cinco no estúdio, no mínimo.
FingerFingerrr tem três anos de existência e, na sexta-feira passada, 22, lançou o primeiro disco cheio. MAR, que sai pelo selo da cantora Tiê chamado Rosa Flamingo, é uma resposta à questão que vez ou outra algum desavisado levanta: para o rock no Brasil ser acessível, é preciso ser acéfalo? Em 25 minutos alucinantes, distribuídos em dez faixas curtas – somente uma tem mais de quatro minutos de duração -, Juliano e Cifas provam seu ponto. Não.
A banda inicia em agosto a turnê do novo álbum. Nesta quarta-feira, 27, e quinta, 28, o duo faz aquilo que pode se chamar de shows de lançamento, mesmo que não se enquadrem exatamente nesse conceito fechado e careta. Juliano e Cifas tocam no Coconut Bar, um karaokê da Santa Cecília, na boêmia Rua Canuto do Val. A primeira noite é para convidados e a segunda já é aberta para fãs.
Mario Caldato Jr., produtor que trabalhou com Björk, Moby, a indie Super Furry Animals, e brasileiros como Planet Hemp, Marcelo D2 e Vanessa da Mata, e mais conhecido como o “quarto integrante do Beastie Boys” tem grande influência nessa sonoridade que não se prende ao rock, muito antes de topar mixar MAR. O trabalho com Mike D, MCA e Ad-Rock, que revolucionou os anos 1990 com aquele híbrido rebelde de rock e hip-hop nova-iorquino, fez os fones de ouvido de Juliano durante sua adolescência. E FingerFingerrr, por mais que tenha o punk e a pancada na sua essência, é um espaço para experiências, para novas descobertas híbridas.
“É um som único, diferente de tudo o que eu já trabalhei”, elogia Caldato Jr. em um vídeo divulgado pela banda no YouTube. “É um som bem real. Bem cru. Não é algo que exista muito hoje em dia”, ele completa.
O guitarrista/baixista da dupla chegou a escrever quatro páginas de anotações para Caldato sobre o disco, questões as quais ele gostaria que permanecessem no álbum produzido pelo grande Fernando Sanches, dono do estúdio El Rocha, depois da mixagem do brasileiro com sotaque gringo. A ideia foi deixada de lado, contudo.
A mão de Caldato Jr. está na capacidade de “levantar o som gravado ao vivo”, conta Juliano. MAR foi registrado no El Rocha em sete dias. Algumas das canções já estavam no repertório da banda, que tem realizado apresentações elogiadas e enérgicas em pequenas casas de shows pela cidade. “Queríamos, contudo, que uma música fosse criada no estúdio”, conta o guitarrista/baixista. Lá, nasceu Embora Agora, com o baixo assinado por André Whoong, artista que recentemente também lançou um ótimo disco pelo selo de Tiê. “O riff saiu na hora, foi muito maluco”, conta Juliano. No dia seguinte, a letra já estava pronta e a canção, finalizada. Embora Agora, inicialmente uma psicodelia jocosa, tem peso e o resultado final se aproxima do stoner rock, como se a banda suasse numa caminhada arrastada pelo deserto californiano. O mesmo peso é sentido em Pyrrhic V, faixa que não esconde as referências sonoras de bandas do rock parrudo da Califórnia e tem os melhores vocais do álbum – gritos desesperados, aliás, com um toque de Caldato Jr.
Por isso, Eu Só Ganho, essa canção descrita por Cifas como “mantra punk” é a abertura do disco, a primeira impressão, mas está longe de ser tudo o que pode ser encontrado em MAR. A faixa, por sua vez, representa a pureza do garage rock na sua concepção, criada em cima de um riff de baixo bolado durante uma pausa para o café – só seria mais garage rock se a pausa fosse para bebericar algum destilado ou fermentado. Pouco mais de 2 minutos depois e duas frases, o FingerFingerrr de Juliano e Cifas inicia seu processo de trazer outros gêneros para seu rock furioso. Há até flertes com a psicodelia que atualmente comanda o gênero das guitarras graças a uma ótima boa safra recentemente surgida, além de encontros com beats eletrônicos e até uma referência jocosa ao rapper “sou mais importante que Jesus Cristo” Kanye West.
É Kanye, aliás, um dos grandes momentos de MAR. Não há letra – ou será que há? A banda embebeda o que seriam os vocais de efeitos, tal qual o rapper megalomaníaco, sem que seja possível entender o que está sendo cantado. Qualquer semelhança com um trecho de Runaway, hit daquele que é um dos melhores discos de West, chamado My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010), não é coincidência.
Hypnotize, a segunda do disco, já se distancia da fixa de abertura com os vocais em falsete. “Gostaria que Caldato colocasse a mão no disco porque ele era ótimo com vozes nos Beastie Boys. Ele fez uma sobreposição nessa faixa que soou como Sabotage (hit do trio de Nova York), isso era essencial para mim”, conta. Cada faixa de MAR leva o ouvinte para um lado. X, por exemplo, escancara o flerte com a música eletrônica. “Depois desse disco, pensando num próximo, podemos ir para qualquer lugar”, diz Juliano. Duas frases e um riff são o suficiente para entrar no mundo do FingerFingerrr, mas para sair dele é preciso de muito mais. “Não queríamos que fosse entediante”, explica o músico. “E fico entediado muito facilmente.”