Será o cara?
Flávio Dino dá a volta por cima e cala o bloco do Me dá um dinheiro aí
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Flávio Dino do STF. São 15 letras que incomodam, assustam e têm tirado o sono do governo, de 584 deputados e senadores, de centenas de lobistas e de milhares de prefeitos. As aves de rapina só não ficaram sem o dinheiro das emendas porque se renderam ao peso da caneta e das alpercatas do ministro do Supremo Tribunal Federal. Aparentemente, Dino roeu a corda. Roeu, mas só em parte. Na verdade, com apoio da maioria do STF, ele deu a volta por cima. Só abriu os flancos depois que Executivo e Legislativo apresentaram um plano de trabalho conjunto para dar mais transparência e rastreabilidade aos repasses. Para calar os “inimigos”, bastou o ministro lembrar ao bloco do “Me dá um dinheiro aí” os 80 inquéritos sobre denúncias e possíveis irregularidades envolvendo as emendas.
Odiado pelos desonestos e amado pelos que preferem a correção, o ministro que não tem medo de cara feia, de gritos, tampouco de ameaças é um nome para ser pensado no futuro. Não estou insinuando nada. É só o instinto feminino falando mais alto. Pedigree, competência, coragem, experiência nos Três Poderes e sapiência ele tem de sobra. Falta apenas a ponte entre o certo e o duvidoso. Para refrescar memórias, de auditoria em auditoria, Dino emparedou deuses e diabinhos que adoram um PIX. Era o cara que faltava para colocar ordem na porteira da zona das emendas. Ainda falaremos muito dele. A recomendação vale somente para quem torce por um país melhor.
Aguardemos, pois, conforme Chico Buarque na canção Jorge Maravilha, não há nada como um tempo após um contratempo. Os bolsonaristas e os achacadores do dinheiro público não gostam de Flávio Dino, mas o restante do Brasil gosta. De novo com Chico, mais vale um país na mão do que um monte de “patriotas” voando. Oposto do justo, o ímpio é aquele que vive de maneira contrária aos mandamentos e à vontade de Deus. É claro que, como ser humano normal, nem todo justo é correto o tempo todo. Todavia, biblicamente, ao contrário dos ímpios, ele jamais é injusto a vida inteira.
Na política brasileira, as diferenças são similares às da Bíblia. Como dizia Mário Covas, no Brasil quem tem ética é anormal. Aproveitando-me da filosofia dos pensadores, vou além ao afirmar que o Brasil talvez já tenha acabado e a gente ainda não se deu conta disso. Odiado por 11 entre dez “patriotas” do tipo raiz apodrecida, Flávio Dino faz tempo é demonizado por todos que se opõem à democracia. Foi assim como governador do Maranhão, ocasião em que peitou o então presidente da República e bancou as restrições recomendadas pelo czar para conter a pandemia de Covid.
É assim agora quando, usando de seu poder de magistrado, tenta evitar a farra de suas excelências do Congresso Nacional com as emendas parlamentares, isto é, com o dinheiro público. Não me cabe análise alguma a respeito de sua personalidade, de seus ímpetos de magistrado, muito menos sua coloração política. O que louvo é sua coragem para enfrentar, sem medos, deputados e senadores de bolsos longos e loucos por tudo que é secreto. Estejam à direita, à esquerda ou ao centro, para as excelências transparência só nos desfiles de moda. Não à toa, o falecido deputado mineiro Elias Murad, em um de seus rompantes de honestidade, afirmou que o Brasil só progride à noite, justamente quando os políticos estão dormindo.
Se alguém duvida, que atire a primeira pedra. Por essas e outras, fecho com Augusto Branco, pseudônimo do escritor e poeta gaúcho Nazareno Vieira de Souza, para quem as grandes autoridades no Brasil são tão imorais que “Vossa Excelência” virou um palavrão. Voltando a Flávio Dino, o juiz que deve dormir de toga e com um dos olhos sempre abertos, é dele a canetada que evitou a pulverização do dinheiro do contribuinte para hospitais, escolas, pontes, córregos e igrejas que nunca saíram do papel. Desastrosamente, tudo em nome do povo, que não parece preocupado com nossa posição no ranking internacional da corrupção.
Pelo contrário. Às vezes, acho que a honestidade política ainda é considerada um câncer para muitos eleitores. No caso das emendas secretas, enquanto a direita e a esquerda vendiam a idiota tese da polarização, por vias nada republicanas boa parte do Congresso Nacional se empoderava e se apoderava do Orçamento da União, oriundo de recursos de impostos pagos pelos justos para encher os bolsos dos ímpios. Agrade ou não a gregos, troianos e baianos, Flávio Dino mexeu no vespeiro. Ele sacudiu o ninho e dele só caiu a folha seca da maracutaia. Por isso – somente por isso – ele virou o cão com a toga treta do Satanás. É a sina dos justos. Por mais que não gostem, o super Flávio Dino está disposto a remover o vespeiro. Quem viver, verá.
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Sonja Tavares é Editora de Política de Notibras
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