Na lagoa, sol a pino
Floripa canta a Estrela de Évora que veio por meio da carta de tarô
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Naquele dia dezessete de maio, Estela refletia, mais uma vez, sobre a própria existência. Lembrava-se das últimas lições que aprendera junto a grupos de convivência, recordava-se dos desafios e metas que resolvia acatar como seus por contar com certos recursos conquistados no decorrer da vida e que, no momento, podiam ser usufruídos individualmente ou compartilhados… Lia e relia, com prazer, a carta que a prima Catarina, filha da Tia Évora, lhe enviara. Teve saudade das duas tão queridas…
A tia, falecida aos cinquenta e sete anos, era sua madrinha. Escolhera seu nome. Poucos anos antes de sua morte, revelou o motivo da escolha: fora o dia do nascimento da sobrinha. A tia fora afeita às interpretações dadas aos números pelo tarô.
Dezessete é o arcano maior denominado A Estrela. Évora ofereceu aos pais as três opções para registro: Estrela, Stela, Estela. A última foi a acatada. Já a saudade de Catarina era movida pela distância. Moravam em capitais de diferentes estados da união brasileira e costumavam usar o correio eletrônico e o telefone celular para trocar fotos e cumprimentos nas datas especiais das famílias que ambas haviam constituído.
Catarina não tinha informações sobre os projetos que Estela acabara de sonhar para si e, no entanto, parecia descrevê-los e dava a entender que seriam realizados. De onde saíra tudo aquilo? Teria mesmo a ver com o momento existencial de Estela? As recordações da tia Évora fizeram que Estela abrisse a caixinha que ganhara do avô e na qual guardara o tarô recebido da tia. Junto com as cartas, encontrou o velho livreto explicativo dedicado à “estrelinha da Tia Évora”.
A relíquia foi aberta para a pesquisa sobre a carta A Estrela. Muito do que havia no item referido estava também na carta de Catarina… Depois da leitura, Estela sentiu-se novamente a Estrela de Évora e percebeu-se embalada e acalentada. Estela pensou na sugestão dada pela prima: “criar algo para um grupo”. Lembrou-se de que a prima era preparadora vocal de um grupo de cantores idosos, em Florianópolis… E a inspiração foi aos poucos tomando conta de sua vontade… O tema era a bela cidade onde Catarina vivia e onde Estela passara inúmeras férias, na juventude.
A resposta à carta da prima teve a costumeira troca de fotos e agradecimentos pelas lembranças de seu aniversário, mas dessa vez teve uma página especial na qual constava o soneto Floripa Canta:
Canta, Floripa canta… Cantarás!
Escutarás: “Conserva tua história…”
Cidade e praias brilham na memória
Encanta a gente, encanta… Encantarás!
Com belo Boi de Mamão brincarás
Com a Bernunça de boca lusória…
Guga! Avaí! Figueirense! Que glória!
Renda de bilro à Lagoa terás.
Praias da Ilha: ouvirás Mirandinha
Zininho com Amor à Ilha: teu hino
Pântano do Sul, dás tua tainha
Lagoa da Conceição: sol a pino
Lagoa do Peri branca prainha:
Floripa ama e canta como imagino!
Catarina recebeu a correspondência com afabilidade. Deu especial atenção ao soneto. Ficou com ele como uma criança fica com seu brinquedo novo.
Resolveu musicá-lo. Durante vários dias dedicou-se à composição, com afinco.
Findo o trabalho, descansou no sofá, cantarolando sua melodia. Brevemente seu grupo também aprenderia a cantá-la… De repente, o vento abriu a porta da sala onde Catarina repousava… Sentiu o perfume que a mãe costumava usar e que passava nela e na prima Estela, em festas especiais na infância… O vento fechou a porta, deixando a lembrança do perfume e da estrela de Évora.
…………………….
MEROLA, Edna Domenica. No ano do dragão. Postmix, 2012, pp 105-108.
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