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Fome de poder não deve ser maior que fome do povo

Rio de Janeiro - ONG Ação da Cidadania lança campanha Natal Sem Fome no Aterro do Flamengo, zona sul da capital fluminense (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Concluída a apuração e anunciado o vencedor da eleição presidencial, o Brasil obrigatoriamente terá de passar por sérios reparos. A exemplo de nosso descrédito internacional, alguns danos são irreparáveis. Tão grandes que obviamente a funilaria terá de ser por dentro e por fora. Em outras palavras, não pode ser feita para tapear fanáticos ou serviçais desse ou daquele extremo. O país também não comportará apenas uma maquiagem, uma demão de cal da ponta do Oiapoque ao meio do Chuí. A assepsia terá de ser geral, da cabeça que pensa ao dedão do pé.

De nada adiantará uma meia sola, pois o estrago é grande. Que haja, sobretudo, resignação. A história ainda não teve fim. Falta um tempo da disputa iniciada em 1º. de janeiro de 2019. Embora a 26 dias do fim, o que se sabe é que a paz, a harmonia, a compreensão e, principalmente, a democracia são bens inalienáveis. Sem elas, corremos o risco de permanecermos na escuridão política, no ostracismo internacional e, quem sabe, na dúvida social por mais um longo período. O Brasil de cerca de 215 milhões de brasileiros não merece viver de flertes eleitorais.

Portanto, desnecessário afirmar que, não importa a cabeça, mas a coroa tem de ser usada com seriedade, sabedoria, resiliência e muita, muita competência. Preferencialmente alguém respeitoso e respeitado, o novo rei precisa reconhecer o real valor de seus súditos. Apesar da conotação de subordinação, súditos que se prezam não são vassalos, não são subservientes, não se fantasiam de patriotas nos fins de semana, tampouco embandeiram varandas ou automóveis. Não importa a quem serviam, mas os subalternos de ontem são os respeitados 156 milhões de eleitores do dia 2, de hoje e do próximo dia 30.

Milhões deles esqueceram a vergonha, o medo, a hipocrisia, o farisaísmo, o destrambelhamento e votaram como pensaram. E elegeram – ou começaram a eleger – quem quiseram. Cumprir os desejos da maioria com altivez, bravura, ousadia e vontade política é uma obrigação do futuro presidente. Como aparentemente a paz reinou no primeiro turno, o povo exigirá um mínimo de decência do derrotado no segundo tempo. Muito distante da prática política, a teoria requer bom comportamento dos cidadãos, especialmente dos perdedores. E, sabemos todos, será uma derrota limpa, decorrente do voto soberano do povo brasileiro.

O Brasil de 2023 não permitirá mais brasileiros de oportunidade, tampouco dirigentes de araque. Está fora de moda o plantão em cercadinhos para impedir o êxito da democracia. Em todos os livros bíblicos está escrito que o beneplácito da vitória é exclusivo dos que sabem perder. No português menos ortodoxo e mais fácil de ser entendido, a fome de poder não deve ser maior do que a fome do povo. Infelizmente, hoje é assim. Também não cabem mais apertos de mão ou tapinhas nas costas como referências de agradecimentos fajutos e debochados.

Que a maioria continue torcendo e votando claramente pela democracia acima de tudo e de todos. É com esse propósito contrário ao retrocesso que devemos pensar. A partir de janeiro do ano que vem, temos de olhar pelo retrovisor e entender que nos esforçamos para não perder a liberdade. Mais do que a consolidação de conceitos ideológicos, é isso que devemos comemorar à exaustão. Nas faixas e cartazes, vamos escrever que, com nosso esforço, conquistamos algo pelo qual lutamos a vida inteira: a perenidade democrática. Melhor do que nos sentirmos em uma prisão com grades imaginárias e tendo a nós mesmos como carcereiros.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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