No auge da evolução tecnológica, política e social, a involução de determinados segmentos humanos ainda é assustadora. Associada à recente tentativa de golpe no Brasil, a eleição do último domingo em Portugal mostrou o lado perverso daqueles que sonham com o poder apenas como ferramenta de extermínio dos oponentes, controle dos adversários e monitoramento absoluto da população. O segundo passo é o comando sobre as benesses a serem divididas entre os seus e, se sobrar, para os aliados e seguidores mais próximos. As singularidades, o respeito ideológico, a garantia de liberdades e o amor à pátria não fazem parte dos extremistas radicais, aqueles que tomam o poder somente para si.
É claro que nem todo conservadorismo é jurássico, mal-amado, ameaçador, sanguinário e sem raízes. Líder do Partido Social Democrata, representante de centro-direita, Luís Montenegro foi o grande vencedor do pleito português. Ao contrário de seu adversário menos famoso, André Ventura, ele foi eleito para governar Portugal e não a espetaculosa, turbulenta, populista e sonhadora extrema-direita. Como não conseguiu maioria na Assembleia da República, Montenegro deve unir suas propostas aos projetos da esquerda representada pelo Partido Socialista para um governo de coalização e, obviamente, com preocupações nacionais e não pessoais.
Seja à direita, seja à esquerda, é assim que funciona a democracia. Não para André Ventura, do radicalíssimo Chega. Depois de um intensivo do mal com o igualmente derrotado Jair Bolsonaro, ele seguiu os aconselhamentos do mito destronado e também optou por uma performance de picadeiro, da qual fazia parte atacar e ameaçar quem não o conhece e não quer conhecê-lo. Dizer que, caso eleito, prenderia Lula se o presidente brasileiro ousasse ir a Portugal é uma bravata de menino do Maternal II. Nem ele nem nenhum outro mandatário teria peso para tal empreitada. Portanto, até no discurso ele e seu mentor mostram que, como supostos políticos de ponta, não passam de mal ajambrados aprendizes de tiranos.
Pela enésima vez, afirmo que não sou menino de recados da esquerda. Com a mesma ênfase, reitero que nada tenho contra a direita ou contra a extrema-direita. Nunca disse e jamais direi que a esquerda é a salvação política e econômica de uma nação. Sobre o extremismo oposto, melhor não dizer o que realmente penso. Meu dever como cidadão é defender a democracia a qualquer preço. E dela não abro mão, ainda que me sejam oferecidas todas as vantagens imagináveis. Partidário do sagrado direito de ir e vir de cidadãos de um lado e de outro, lembro com prazer quase orgástico do ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill, para quem a democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor do que ela.
Repetindo os adjetivos já citados, meu desprezo pela extrema-direita é justamente pelo comportamento individualista. Bolsonaro e Ventura queriam o poder (não querem mais porque perderam o bonde) não para trabalhar por seus países, mas para a perpetuação e perseguição a opositores. Exatamente como fazem Putin, Nicolás Maduro, Xi Jinping, Miguel Díaz-Canel, Daniel Ortega, Javier Milei e os tiranos das demais 44 ditaduras em curso no mundo. Portanto, uma guinada à direita, como ocorreu em Portugal, não significa necessariamente pisar na garganta da esquerda. Provável futuro premier, Luís Montenegro não trata sua ideologia como forma de capitanear o povo. Como ele, os extremistas turco e húngaro preferem respeitar a voz do povo. Para esses governantes, mais do que relativa, a democracia é valor absoluto.
O problema da direita de Putin, Milei, Jinping, Bolsonaro e Ventura é o mesmo da esquerda de Maduro, Díaz-Canel e Ortega: a falta de propostas, projetos e ideias coletivas. Sem exceção, eles acham que a força é o único caminho para se chegar ao poder. A maioria dos líderes tacanhos entende que ameaçar oponentes e transformar adversários políticos em inimigos viscerais significa garantir respeito das massas. No máximo, o medo temporário ou o sonho de se somar ao conservadorismo com o objetivo de se locupletar a médio e curto prazos. Não há como descrever outra hipótese para um cidadão minimamente inteligente se imaginar dominado apenas porque aufere ou vai auferir algum tipo de vantagem política ou pecuniária no futuro. Por isso, nunca é demais ecoar a tese de Margareth Thatcher: “A democracia não é um sistema feito para garantir que os melhores sejam eleitos, mas para impedir que os ruins fiquem para sempre”.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978