Mal visto até mesmo por seus antigos “aliados”, o presidente Jair Bolsonaro insiste na tese do golpe como solução para se manter no governo e para, futuramente, garantir sua liberdade e a da família. Considerando a falta de apoio maciço, a certeza de não contar com a totalidade das Forças Armadas e o volume acumulado de reveses, trata-se de uma iniciativa das mais arriscadas. Mesmo assim, a pretexto de demonstrar uma força de que não dispõe mais, ele mantém o discurso de intimidações e de ameaças às instituições. O governo não existe mais. Pelo menos sob o conceito de autoridade governante capaz de criar palco para a sociedade e o setor privado desempenharem seu papel. E o que dirão os brasilianistas sobre as demais funções de um mandatário?
Infelizmente, nada. Em vez de manter a ordem interna, incita a desordem generalizada. Além disso, faz tempo deixou de oferecer serviços de qualidade para seu povo, embora jamais tenha deixado de cobrar impostos. Pior de tudo é deliberadamente desobedecer às normas chamadas de leis. Como encargo social, está escrito que, de acordo com sua orientação ideológica, o governo pode estabelecer níveis maiores ou menores de intervenção. Aceito essa teoria, mas não concordo, na medida em que o país é único e todos os eleitores têm o mesmo peso. Beneficiar determinado grupo em detrimento de outro acaba gerando divisões desnecessárias. Não custa lembrar um passado bem recente, quando éramos pão com mortadela e coxinhas.
A fraqueza externa do Brasil deixou de ser manchete nos principais jornais do mundo por se tratar de algo corriqueiro. O problema maior é a fragilidade interna. Enquanto o motim, incluindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal, soa como mantra, as prioridades de Bolsonaro estão estacionadas no Congresso Nacional. Algumas até conseguem chegar ao plenário. No entanto, são rejeitadas com votos de opositores e da base aliada, cuja “manutenção” tem elevadíssimo custo financeiro e político. A maior parte dessa conta tem nomes, vários sobrenomes e um único endereço, o do Centrão. Foi assim com a PEC do voto impresso e certamente será assim com as reformas administrativa e tributária. Apesar do custo, a estagnação dos projetos de interesse do governo é nítida até para quem não enxerga.
Na prática, o exagero da gastança não gerou agilidade alguma aos projetos do governo, tampouco diálogo franco com deputados e senadores. Até agora, as prioridades ou continuam nas gavetas ou caminham pelos corredores do Parlamento a passos de cágado. Por muito tempo, a culpa do atraso nas votações foi creditada à longevidade da pandemia. Contudo, nesse período o dinheiro e os cargos não pararam de entrar nos cofres dos parlamentares da base. Mesmo assim, o banho-maria virou regra para tudo que chega do Planalto. O fato é que, talvez por ordem do presidente, as energias dos congressistas pendurados no governo estejam voltadas para estancar futuros efeitos da CPI da Covid, colegiado que apura erros do Executivo na gestão da crise sanitária.
Em outro flanco, trabalham os que lutam diariamente para evitar que um dos cerca de 120 pedidos de impeachment deixe a gaveta sem fundo do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). De concreto, após séculos de mazelas, continuamos descobrindo coisas no Brasil que são de arrepiar. Algumas compõem a clássica máxima de feitiço atingindo o feiticeiro. Por exemplo, a decantada “genialidade” de Bolsonaro na tentativa de acabar com a corrupção empacou exatamente na “burrice” dos fiscais da lei. Na defesa dos conceitos mais radicias do mito, apoiadores do tipo talibãs por vezes justificavam as falas do líder como dirigidas às pessoas que mentiam, trapaceavam, roubavam, coagiam e até matavam. Não se preocupavam em afirmar que pessoas normais não mudam o mundo.
Esqueceram que, como ser humano, o mito também é passível de erro. Com apoio de isentas autoridades policiais, ministros ameaçados de impeachment e de prisão constataram que heróis também têm sangue nas mãos, pólvora nos dedos, os dois pés em acertos nada republicanos e, principalmente, gado fácil para colocar na linha de tiro. Não é regra, mas, às vezes, predadores viram caça. Chefe de governo com discurso de honestidade não tem o direito de errar. Conforme o vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), Bolsonaro vive isolado, é refém de seus devaneios e está ciente de sua responsabilidade com a tragédia da pandemia. Por tudo isso, já ouvi silenciosamente em reunião de bacanas que a utópica proposta de levante do presidente da República tem por base a necessidade de colocar o Brasil nos trilhos. Respondi com a alma: Agora que o trem descarrilou de vez. Acabou! As aventuras golpistas do cidadão Jair Messias Bolsonaro passaram dos limites. O Supremo Tribunal Federal ainda está de pé.